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Olhar Olímpico

Comitê tem R$ 159 milhões na poupança por falta de projetos

Demétrio Vecchioli

30/10/2017 04h00

O esporte brasileiro vive período de vacas magras, com muito pouco dinheiro disponível. Essa é só uma meia-verdade. Dinheiro tem, mas ele não está à disposição de quem mais precisa. E, quem poderia utilizá-los, não tem mais com o que gastá-lo, por limitações técnicas e também burocráticas. O balanço financeiro do Comitê Brasileiro de Clubes (CBC) é prova disso. Em 31 de dezembro do ano passado, a entidade acumulava R$ 159 milhões em aplicações financeiras, recursos oriundos da Lei Pelé, e que seguem guardados a espera de interessados.

Antes nomeado "Confederação Brasileira de Clubes", o agora "Comitê Brasileiro de Clubes" mudou de nome para se assemelhar ao Comitê Olímpico do Brasil (COB) e ao Comitê Paraolímpico Brasileiro (CPB). Os três estão, para o Sistema Nacional do Esporte, no mesmo lugar e dividem os recursos oriundos das loterias. Como os demais, o CBC é responsável por descentralizar esse dinheiro (0,5% do que as loterias arrecadam) entre os seus associados. Ou seja: no seu caso, os clubes.

A única diferença é que o CBC entrou no esquema mais tarde e não pela Lei Agnelo/Piva, mas pela Lei nº 9.615/98, que a entidade recusa-se a chamar de "Lei Pelé". A legislação foi alterada em 2011, via Medida Provisória, passando pela Câmara e pelo Senado, antes de ser sancionada pela presidente Dilma Rousseff. Desde então o CBC recebe religiosamente sua parcela de 0,5% do que arrecadam as loterias (que o órgão prefere chamar de "concursos de prognósticos federais"). Só que, até tudo ser regulamentado, só pôde começar a usar o dinheiro em 2014.

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Essa é a introdução, que ainda não explica por que há tanto dinheiro guardado sem destinação. Até porque o CBC de fato tentou colocar esse dinheiro em circulação. Desde 2014, já lançou sete editais, nos quais apenas o seus 41 clubes filiados podem apresentar projetos. Na edição deste ano, a sétima, só um não quis apresentar projetos: o Esporte Clube Pinheiros.

Esses 41 clubes, porém, não têm se mostrado capazes de dar vazão ao dinheiro. No edital aberto este ano, por exemplo – que já foi tema de outra reportagem do Olhar Olímpico -, havia R$ 120 milhões à disposição, sendo R$ 80 milhões para os esportes olímpicos e R$ 40 milhões para os paraolímpicos. Mas os projetos, somados, chegaram a apenas R$ 65 milhões nos olímpicos e pouco mais de R$ 1 milhão para os paraolímpicos.

Tem sido assim desde os dois primeiros editais, quando foram apresentados 22 projetos "olímpicos" e apenas dois "paraolímpicos". O problema se repetiu nos dois seguintes, com mais R$ 24 milhões distribuídos entre os olímpicos e R$ 550 mil, apenas, aos paraolímpicos. Para o CBC, o resultado foi "incipiente". Nos dois editais seguintes, o comitê até colocou à disposição as sobras dos anos anteriores, mas nunca conseguiu completar a distribuição.

De acordo com o balanço do fim do ano passado, o CBC tinha, em aplicações financeiras, R$ 42,7 milhões que deveriam ser destinados ao esporte paraolímpico e outros R$ 26,3 milhões ao olímpico. Essa conta ainda é conservadora, considerando que haviam ainda outros R$ 65,2 milhões, também em aplicações, mas comprometidos para serem gastos até 2020, tanto com o esporte olímpico (R$ 61,5 milhões) quanto com o paraolímpico (R$ 3,7 milhões).

Grande parte das economias forçadas do CBC, porém, é causa pela falta de projetos das confederações de desporto escolar (CBDE) e universitário (CBDU), que têm direito a 10% e 5%, respectivamente, de tudo que o CBC recebe. Ambas as entidades inicialmente tiveram dificuldades em apresentar os projetos e as certidões exigidas pelo CBC e não receberam os recursos. A CBDU chegou a entrar na Justiça, pedindo que o dinheiro não passasse pelo CBC antes de chegar a ela, mas foi derrotada.

"Quando foi feita a Lei Piva ela foi carimbada com 15% para o Paralímpico, 10% para o escolar e 5% para o paralímpico. Quando aprovou-se a lei remetendo recursos para formação de atletas para o CBC, entenderam por jurisprudência que deveria ter a mesma distribuição Só que clubes promoverem o desporto escolar e universitário é uma coisa distante. Tem que ter imaginação de como estabelecer essas parcerias. Não faz sentido o dinheiro ir para o escolar e o universitário, para que eles prestem contas para o CBC, para a gente prestar contas ao TCU. Acho que falta uma arrumação melhor no Sistema Nacional do Esporte", opina o velejador Lars Grael, superintendente técnico do CBC.

O comitê, que mantinha outros R$ 36 milhões economizados com gastos administrativos, tenta solucionar os problemas. Uma das soluções apontadas deverá ser utilizar o dinheiro destinado ao esporte escolar para ajudar o COB a realizar os Jogos Escolares. Com relação ao esporte paraolímpico, o comitê de clubes promete trabalhar com o CPB para estimular os projetos. Em setembro, CBDE, à CBDU e CPB foram convocados a apresentarem projetos para utilização dos recursos, o que devem fazer até o fim do ano.

O CBC tem pressa porque já foi inclusive cobrado pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Em relatório do fim do ano passado, o órgão de controle criticou o fato de a maior parte dos recursos recebidos pela Lei Pelé estar aplicada em poupanças, não no esporte.

"Não parece ser possível que recursos de natureza pública restarem aplicados financeiramente, um ano após outro, sem utilização, a esperar programação e normativos futuros que deem suporte à correta aplicação. No mínimo, atenta contra os princípios constitucionais da eficiência e eficácia, já que representa um grande custo de oportunidade, considerando outras ações que o Ministério dos Esportes poderia empreender com os recursos, especialmente diante do atual contexto nacional e da administração pública, no que tange à escassez de recursos", apontou relator do TCU.

Após a publicação da reportagem, a CBDU enviou a seguinte nota:

 

Desde 2005, a Confederação Brasileira do Desporto Universitário (CBDU) nunca deixou de estar em dia com a sua documentação, tanto que faz uso dos recursos da Lei Agnelo Piva desde esta época. Não é verdade, portanto, a informação de que a CBDU não apresentou certidões ao Comitê Brasileiro de Clubes (CBC).

A CBDU não apresentou qualquer projeto para chegar a ser negado pelo CBC.

A CBDU não entrou na justiça para receber dinheiro diretamente. A CBDU entrou na justiça para obrigar o CBC a utilizar os recursos em comum acordo com a CBDU, conforme a legislação determina. Na primeira audiência, de conciliação, houve um entendimento entre as partes, o que provocou uma reunião entre as diretorias da CBDU e do CBC. Nesta reunião, ficou acordado que seria elaborado um projeto em conjunto. A CBDU,  diante do compromisso de acordo, desistiu da ação. O CBC, após a desistência da ação por parte da CBDU, passou apresentar e exigir o cumprimento de normativas internas dificultando a utilização dos recursos.

A CBDU não pretende criar ou elaborar eventos para atender a editais imaginados pelo CBC. O esporte não se constrói desta forma, o esporte exige projetos que possuem começo, meio e fim, e que são pensados a médio e a longo prazo. A CBDU tem este perfil, e não irá construir eventos pontuais apenas para gastar dinheiro. Os eventos têm que ter processos contínuos e envolvimento com a plataforma de desenvolvimento do esporte dentro do ambiente educacional.

Do ponto de vista da CBDU, foi colocado um valor significativo no CBC, e a entidade parece não saber como gerir, principalmente no que concerne ao desporto educacional. No nosso país, são raros os clubes que são verdadeiramente formadores, a maioria deles são clubes sociais, clubes de lazer. Em um universo de milhares de clubes, cerca de 40 apresentam algum projeto, deixando para trás um valor bastante significativo para este segmento, o que é totalmente diferente do segmento do esporte, do Comitê Olímpico – que tem Olimpíadas, Confederações, Federações, Campeonatos –, do Comitê Paralímpico, que tem a Paralimpíada e todos seu sistema federativo, da própria CBDU, que tem a Universíade, os Campeonatos Mundiais, Campeonatos Nacionais, JUBs, Federações Estatuais, Jogos Estaduais. A CBDU possui um sistema que funciona, e o esporte em nosso país funciona genuinamente dentro das escolas e das universidades, e precisa de apoio, projetos e visibilidade para que se estruture e ocupe seu devido espaço.

A CBDU não foi convocada para nenhum edital, e tem a certeza de que o CBC faz uma leitura equivocada da lei. No que concerne aos recursos do esporte universitário e escolar, a lei trata que o CBC, em parceria com a CBDU e com a CBDE, desenvolva projetos de formação do esporte. Neste sentido, não cabem editais para serem disputados. O que tem que ser feito é o desenvolvimento de um projeto, porém, é provável que falte ao CBC um pouco de conhecimento e experiência para desenvolver projetos no que tange o desporto educacional. O CBC, talvez pela falta de experiência, de não ser uma Confederação ou um Comitê verdadeiramente, não realiza competições e não possui eventos esportivos em seu sistema.

Devido a este cenário, o diálogo com a CBDU tem cada vez mais se distanciado, o que é lamentável, pois, mesmo com a carência de recursos e a grande demanda, o dinheiro permanece retido com uma entidade que tem tido pouca experiência e pouca atenção em fazer uso destes recursos.

 

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.