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Olhar Olímpico

Legado olímpico projetado está "muito longe" da realidade, diz Amorim

Demétrio Vecchioli

27/10/2017 04h00

(Alexandre Vidal/Prefeitura do Rio)

Se tudo tivesse saído como planejado, o Rio de Janeiro estaria prestes a ganhar quatro escolas-modelo, enquanto outras duas cidades do país estariam vivendo a expectativa de inaugurar parques aquáticos aptos a receber campeonatos mundiais. As arenas do Parque Olímpico da Barra estariam transformadas em centros de treinamento e escolas. Só é preciso deixar de sonhar e abrir os olhos para notar que nada disso aconteceu. E, ao que tudo indica, nem vai acontecer.

"O que foi projetado como legado olímpico lá atrás é muito, muito longe da realidade atual", admite Patrícia Amorim, ex-presidente do Flamengo e, há três semanas, subsecretaria municipal de Legado Olímpico do Rio. Com escritório em uma sala improvisada, mas mesmo assim aconchegante, na Arena Carioca 3, agora é ela quem está na linha de frente para tentar destravar, pela parte da prefeitura, tudo que está "confuso" desde antes da Rio-2016.

Patrícia, até o começo do mês, era subsecretaria de Esporte, locada na Secretaria de Educação. Mas, após conseguir na Câmara dos Vereadores a aprovação do aumento do IPTU para o ano que vem, o prefeito Marcello Crivela mexeu em grande parte do seu secretariado. A ex-nadadora, que não é ligada a nenhum grupo político atualmente, perdeu o Esporte, mas ganhou uma pasta novinha em folha. A Subsecretaria de Legado Olímpico, ligada à Casa Civil, foi criada para cuidar de quase tudo ligado ao legado e que, até então, estava descentralizado.

Patrícia já arregaçou as mangas. Uma das prioridades é resolver o pepino que se tornou a Arena do Futuro, que recebeu as competições de handebol. O projeto para ela era lindo: ser desmontada "como um Lego" para depois ser remontada como quatro escolas. Só que a prefeitura apresentou um orçamento e o Ministério do Esporte, que é quem tem que pagar pela execução, não concorda com os valores.

Leia mais: Ninguém sabe quanto vai custar desmontar arena do handebol e Estádio Aquático

"Para garantir que a Olimpíada seria um sucesso administrativo, financeiro, de gestão e técnico, se faz uma projeção de legado dificílima de resolver. Por exemplo: vamos desmontar a Arena do Futuro? É uma questão muito difícil. As escolas saem muitíssimo mais cara que as escolas normais. A desmontagem cuidadosa custa o dobro de desmontar como normalmente desmonta. Desmontar como um lego custa o dobro", explica.

O plano A, de acordo com Patrícia, continua sendo o inicial, desde que o Ministério do Esporte aceite pagar o que a prefeitura diz que custa desmontar. Se não, é mais barato transformar a arena em sucata e construir escolas regulares. "A gente está colando na mesa todas as soluções. Acho que vai dar para fazer tudo. Tem que dar. Não é: 'não dá' e ponto. É:  'Não dá esse jeito, virgula, o que vamos fazer?'. Não pode desistir nem na primeira nem na segunda dificuldade."

O que não significa que Patrícia seja a mais entusiasmada com a ideia de seguir o projeto original. "É difícil aceitar que a gente vai construir uma escola muito mais cara porque alguém disse que o legado é assim. Vamos construir as escolas? Vamos. Mas talvez não seja compatível com a realidade atual."

E a realidade atual, no entender da subsecretária, nada tem a ver com o que se pensou antes dos Jogos. "Muita coisa aconteceu. Existe um estado que está numa situação financeira muito delicada e a prefeitura, se não tomar cuidado, pode quebrar também. É importante a gente dar respostas, porque a cidade sediou os Jogos e se comprometeu com o legado, mas se comprometeu num outro contexto. Os fins não justificam os meios", decreta.

Dinheiro – A nova subsecretaria foi criada no último dia 3 de outubro e vai existir até 31 de dezembro sem nenhum centavo de orçamento próprio. Para o ano que vem, não vai dar para continuar assim, até porque a pasta é responsável não apenas por abrir à população o Parque Olímpico da Barra, mas também o Parque Radical, em Deodoro, e o Parque Olímpico de Madureira, que não é um equipamento esportivo e caiu junto no colo de Patrícia.

"A gente sonha, para manter os três parque funcionando bem, conseguir fazer alguns eventos olímpicos, em ter alguma coisa entre R$ 25 milhões e R$ 35 milhões, no máximo. Com menos de R$ 25 milhões não dá.  A gente até reabriu o parque, está tudo funcionando, mas se você passar um pente fino vai ver que precisa de manutenção. O Parque da Barra não tem banheiro para o público! Não tem cabimento. Precisamos fazer banheiros definitivos, esse parque á para sempre", ressalta.

Na Subsecretaria de Esporte, ela fez o que deu. Recebeu um orçamento de R$ 100 milhões, perdeu 25% logo de cara, e aproveitou que as Vilas Olímpicas (centros de treinamento da prefeitura em comunidades carentes) ficaram parte do ano fechadas à espera de licitação de operação e, segundo ela, tirou dinheiro "daqui" e colocou "lá". Assim, conseguiu que o Parque Radical fosse reaberto em setembro e que o Parque da Barra funcione agora todo domingo. Mas é só.

A Arena 3 é, de longe, o que funciona melhor. A estrutura, que será "para sempre" da prefeitura, se tornou um centro de treinamento para diversas modalidades. Neste fim de semana acontece lá o Campeonato Brasileiro de Ginástica Artística, em equipamentos instalados de forma permanente pela federação de ginástica do Rio. No local também há estrutura para treinos de tênis de mesa, badminton, luta livre e handebol. Edson Hypolito, irmão de Daniele e Diego, é quem comanda o local, que recebe competições quase todos os finais de semana.

Boa parte das salas do nível térreo da arena já estão sendo ocupadas por federações estaduais, como a de ginástica, e o projeto é que, no andar de cima seja montada uma escola. Os planos de Patrícia passam por utilizar, para isso, material que está sobrando em outra "sucata" olímpica: o Estádio Aquático.

Assim como a Arena do Futuro, o Estádio Aquático deveria ter sido desmontado até o meio do ano, conforme consta em contrato com a Rio Mais, concessionária dos dois terrenos. Mas até agora só as piscinas foram retiradas de lá. O esqueleto continua intacto, a espera de interessados. O governo federal chegou a abrir edital para quem quisesse levar a estrutura, que serve como ginásio, mas os poucos que foram ver como é se assustaram com o custo de transporte e nunca mais voltaram.

As piscinas estão destinadas, exceto uma, que provavelmente será montada na Vila Olímpica do Jacarezinho. Parte do material restante iria para a Arena 3. "Precisamos melhorar a iluminação, que foi feita pensando na competição no meio da quadra, não no uso diário do espaço todo. Eu aproveitaria as bancadas de mármore para os banheiros, toda a louça para fazer a escola. Tem solução".

Solução – Com quase tudo atrasado ou longe do que estava planejado, Patrícia tem se dedicado a reuniões diárias para "destravar" os problemas. Com a Rio Mais, as conversas são para que o consórcio não cobre qualquer tipo de multa por até agora não ter recebido de volta as áreas onde estão as duas arenas que deveriam ter sido desmontadas. "É um emaranhado e a gente precisa resolver, porque a gente precisa entregar aquela área para a iniciativa privada", lembra.

A Rio Mais, de qualquer forma, não vai mexer no Parque Olímpico tão cedo. A concessionária, liderada pela Odebrecht, até agora não demonstrou grande interesse em começar a mexer no local e inclusive já prometeu ao Rock In Rio que não fará isso até a edição de 2019 do festival.

Diante do desinteresse da Rio Mais, cresce a chance de o Parque Olímpico ser quase todo ele privatizado – a exceção seria a Arena 3. A prefeitura, aliás, já deu carta branca para o governo federal, a partir do BNDES, abrir uma licitação.

 

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.