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Olhar Olímpico

Mesmo alertado, Picciani libera gasto com tatames que custam 7 vezes menos

Demétrio Vecchioli

26/10/2017 04h00

(Reprodução)

Treze dias depois de o Olhar Olímpico denunciar quão flagrante foram as fraudes em um convênio firmado pelo Ministério do Esporte para que uma cidadezinha da Bahia realizasse um torneio de submission, a pasta assinou novo contrato, desta vez diretamente com a confederação envolvida na primeira denúncia, para a compra de 17 tatames, a serem distribuídos em locais inóspitos da Bahia, sendo cinco deles dentro de um condomínio de apartamentos. E aceitou pagar por eles valor sete vezes maior do que o de custo.

Pelo convênio firmado com a Confederação Brasileira de Lutas Submission (CBLS) a partir de Emendas Parlamentares dos deputados federais Erivelto Santana (PEN-BA) e Márcio Marinho (PRB-BA), o Ministério do Esporte destinou R$ 600 mil para a compra de 17 tatames, por R$ 35 mil cada. Quem assina o convênio, um homem chamado José Carlos Santos, diz desconhecê-lo e não nega que esteja no cargo como laranja.

O contrato contempla cinco locais. São cinco tapetes em um endereço em Salvador onde existe um condomínio de apartamentos. Outros dois em uma biblioteca de Santa Bárbara. Mais seis serão instalados em endereços que aparecem "sem número", mas onde não existem, ao menos no Google Maps, academias ou ginásios. Os últimos quatro, em uma casa de um bairro pobre de Gravatá.

Diferente do que é de praxe, a CBLS não precisou apresentar três orçamentos para justificar o valor de compra de cada tatame. Em vez disso, juntou ao processo uma carta da própria entidade declarando o tapete produzido pela empresa World Tatami como o único "homologado, certificado e aprovado para a prática de lutas de submission". O documento data de 22 de junho de 2016, mas, segundo a World Tatami, ela nunca vendeu ou sequer produziu um desses tapetes, de 64 m², como os que serão comprados com os recursos do Ministério do Esporte.

Neste meio tempo, a CBLS realizou um único evento, em Itatim, na Bahia. Lá, as competições não foram realizadas nesses tapetes "homologados", semelhantes aos de wrestling, com área de luta circular, mas em tatames de EVA, normalmente utilizados para a prática do jíu-jitsu, com áreas de lutas quadradas. A grosso modo, é como se uma federação de futebol de areia realizasse torneios em quadras de futsal e, para isso, pedisse para comprar grama artificial.

O evento em Itatim custou R$ 1,6 milhão ao Ministério do Esporte, que repassou o recurso à prefeitura da cidade de 15 mil habitantes. Esta, por sua vez, comprou R$ 1,5 milhões em produtos e serviços junto à ELS Promoções, uma empresa que fica no mesmo endereço da CBLS, para quem foi o dinheiro restante. Ambas foram abertas por Elisio Macambira, que foi quem comprou os tatames que seriam utilizados em Itatim. Ele é apontado pelo presidente da CLBS como o homem que continua dando as ordens.

O Olhar Olímpico teve acesso à nota fiscal. Duzentas placas de EVA de 1m² e 40mm de espessura custaram R$ 13.547 ao comprador, que pediu que o produto fosse entregue na Rua Clementino Pinto, 36, exatamente o endereço da escola onde aconteceu a competição. O responsável por receber o produto foi Gilberto Souza de Moraes, motorista da Secretaria de Educação de Itatim e que, depois, foi colocado pelo prefeito Tingão (PSD) "à disposição" de Macambira durante o evento.

Tingão, que era delegado civil quando se candidatou à prefeitura, foi quem assinou a contratação da ELS, empresa que hoje não aparece mais no nome de Elisio Macambira, para alugar o tatame à prefeitura. E, por este aluguel, pagou R$ 80 mil. Depois da competição, os tatames ficaram na cidade como "doação" da CBLS – ainda que o material, em teoria, não fosse dela.

Novo convênio – Ainda que a CBLS só reconhecesse o material da World Tatami como oficial, a entidade não se importou de usar um tapete de outra empresa no único evento realizado por ela nos últimos dois anos. Mas, ao solicitar novo convênio com o Ministério do Esporte, fez valer o documento de exclusividade que até então nunca havia utilizado. O que vai gerar um grande dano aos cofres públicos.

Se em fevereiro Elisio pagou R$ 67,7 por metro quadrado de tatame, agora, com dinheiro do Ministério do Esporte, ele aceitou pagar R$ 551 por metro quadrado. Pelo orçamento que consta no convênio firmado pela CBLS e o ME, cada tapete, também de 40mm de espessura, vai sair por R$ 35 mil.

Francisco Oliveira, dono da World Tatami, argumenta que os produtos são diferentes. Que o tatame dele tem uma qualidade superior e foi aprovado pela UUW, a federação internacional de wrestling – que não tem nada a ver com o submission, derivado do jiu-jitsu. "Se a CBLS quer comprar tapete e não tatame, é problema dela. A mim, resta vender", pondera.

O empresário diz que o produto é patenteado e que, como só ele pode vendê-lo, ele pratica o preço que quiser. "Quem coloca o preço nas minhas coisas sou eu. Você paga se quiser", pontuou. Como é a primeira venda que faz o produto, para chegar ao preço do tapete de 8×8, ele usou como base os R$ 53 mil cobrados em outro convênio com o Ministério do Esporte, este de 2015, com a Confederação Brasileira de Wrestling (CBW).

Na oportunidade, a CBW firmou convênio com o ME para comprar 80 tatames de luta olímpica, de 12m x 12m, num total de R$ 4,2 milhões, também sem licitação. Argumentou, tal qual a CBLS, que só a World Tatami poderia fornecer o material. À época, Elisio Macambira era vice-presidente da CBW.  O convênio está sendo alvo de investigação da Polícia Federal.

Outro lado – José Carlos Santos, o Joca, presidente da CBLS, disse ao Olhar Olímpico, em ligação telefônica, que não resolve nada pela CBLS. "Quem dá as ordens é o Macambira. Eu só assino papéis", afirmou. Questionado se ele é um "laranja", respondeu com outra pergunta: "Quem não é laranja hoje em dia?". Joca ainda disse que desconhecia o convênio, que ele assinou. "Eu nem sei quanto custa um tatame, você está me entendendo?"

O Ministério do Esporte confirmou que teve acesso à primeira denúncia do blog a respeito da CBLS, afirmou que aprovou o novo convênio após a análise técnica da documentação e informou que, se forem encontradas irregularidades na prestação de contas, a entidade será notificada para a devolução de recursos públicos ao erário. Em 2015, a CBLS fraudou o Bolsa Atleta e o ministério disse ter aberto investigação.

Questionada sobre a aceitação do documento que dá à World Tatami a exclusividade na produção de tapetes à CBLS após um evento organizado com dinheiro do ministério ter sido realizado em outro tipo de solo, a pasta alegou que, na análise da proposta "verifica a adequação do material solicitado à modalidade e a conformidade com o objeto do Termo de Fomento". "Neste caso, os tatames têm como finalidade a estruturação de local para desenvolvimento da modalidade".

Um dos deputados responsáveis, Marcos Marinho alegou que foi procurado para fazer a emenda, sem dizer por quem, e que entendeu que seria importante "contribuir para melhorar as condições do esporte na Bahia". Perguntado sobre o que ele pensa sobre o submission, respondeu que grande parte dos campeões de MMA praticam wrestling. A assessoria de Erivelto Santana não respondeu aos pedidos do blog.

Elisio Macambira foi procurado e, como na primeira reportagem, não atendeu às ligações do repórter. Também a assessoria de imprensa da prefeitura de Itatim não retornou às ligações telefônicas feitas pelo Olhar Olímpico. Nos telefones informados pela ELS em orçamentos, ninguém atende. A CBW, que aparece listada como "parceira" da CBLS no site desta, negou qualquer relação. Também disse desconhecer que esteja na mira da PF.

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.