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Olhar Olímpico

Na Lista Suja do trabalho escravo, clube de Goiás abandonou o futebol

Demétrio Vecchioli

26/10/2017 16h13

Reprodução/TV Anhanguera/TV Globo

A derrota por 4 a 0 para o Goiânia, em casa, pela Copa Goiás Sub-20 de 2014, foi a última partida da história do Santa Bárbara Futebol Clube. O time amador de Santa Bárbara de Goiás, cidadezinha de 8 mil habitantes a oeste da capital de Goiás, fechou as portas depois que uma operação do Ministério do Trabalho descobriu que 29 adolescentes que defendiam o clube na competição viviam em condições análogas à escravidão. Três anos depois, o Santa Bárbara volta ao noticiário, desta vez como o único clube de futebol na Lista Suja.

A Lista Suja – cadastro de empregadores que tenham submetido trabalhadores a condições análogas à de escravo – deveria ser publicada semestralmente, mas em setembro, em meio a polêmicas mudanças promovidas pelo Ministério do Trabalho, o governo federal não publicizou oficialmente a lista. Mesmo assim, ela acabou sendo revelada no domingo pelo Fantástico, programa da Rede Globo.

A lista permite que o Santa Bárbara, autuado em setembro de 2014, continue sendo lembrado por ter submetido 29 adolescentes a situações degradantes, encontradas pela auditora fiscal do trabalho Katleen Lima. "Eles viviam em uma casa com 3 quartos, simples, de alvenaria. Alguns não tinham cama, a casa não tinha mesa, não tinha cadeira. Dormiam em colchões surrados, sujos. Tinha dois banheiros, mas só um funcionando. A alimentação era oferecida três vezes ao dia, eles não sentiam fome, mas estava aquém da necessidade deles", lembra a auditora.

Quase todos os adolescentes do time, exceto um, morador de Santa Bárbara, haviam sido levados à cidade por um treinador conhecido como Mazinho, que também morava na casa. A equipe disputava um torneio amador, o que justificava o fato de os jogadores não receberem salários. Mas os pais de vários deles pagavam uma mensalidade de R$ 600 para que eles fossem alimentados.

"A maioria deles, quase todos, tinham menos de 18 anos. Alguns ainda iam à escola, mas quando chegamos lá vimos que a situação estava muito aquém do mínimo necessário para abrigar esses atletas. A condição do alojamento caracterizou a degradância do emprego. Não havia assistência médica, não havia aporte técnico nenhum", aponta a auditora.

Segundo ela, todos os atletas foram entrevistados e a equipe dela ficou dois dias na cidade. Com a intervenção do Conselho Tutelar, a prefeitura levou todos os jogadores para hotéis e enviou cada um dos atletas de volta para suas respectivas cidades natais. Ninguém foi preso. "O papel da fiscalização é fiscalizar, tratar de conseguir a reparação das verbas rescisórias que são devidas. Nós fazemos o administrativo apenas, mas não podemos julgar", argumenta Lima.

No dia seguinte à operação, o Santa Bárbara avisou à Federação Gaúcha de Futebol que não continuaria disputando a competição, na qual fazia boa campanha – estava em sexto lugar. Até o fim do campeonato, o time perdeu seus jogos por W.O., por 3 a 0. Depois, nunca mais entrou em campo. Hoje, é só um CPNJ.

Presidente do clube, Cléber Araújo da Silva diz que o episódio foi uma "armação" contra o Santa Bárbara. "O clube não tinha responsabilidade sobre as pessoas que ali estavam. Eles (os fiscais) não quiseram ouvir, foram acatando as coisas que estavam no momento. Por ser futebol amador, a gente não tinha que ter responsabilidade de pagamento. Além disso, os pais haviam autorizado", argumenta.

Segundo ele, no primeiro semestre de 2014, um treinador de nome Mazinho chegou na cidade e pediu para usar o campo local. Depois, apresentou a ideia de que o Santa Bárbara disputasse a competição com os jogadores que ele havia levado para a cidade. Por ser filiado à federação, o Santa Bárbara fornecia a camisa, mas quem lidava diretamente com os atletas era esse tal Mazinho.

Katleen Lima nega que só o treinador fosse responsável. "Havia também um outro dirigente do clube e os três estavam igualmente envolvidos com a gestão do clube. O Mazinho treinava o time, até dormia com os garotos, mas os outros dois tinham pleno conhecimento da situação. Isso é tranquilo eu te afiançar porque foi o que nós presenciamos lá".

Mazinho sumiu naquele dia mesmo e nunca mais foi visto em Santa Bárbara. Cléber também não quer mais saber de futebol. "Nunca mais mexo com isso. Nós não tínhamos responsabilidade e usaram de artimanhas para nos prejudicas", garante.

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.