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Olhar Olímpico

Maior da história, Scheidt sai de cena sem deixar herdeiros na vela

Demétrio Vecchioli

16/10/2017 04h00

(William Lucas/inovafoto)

Nenhum brasileiro disputou mais edições dos Jogos Olímpicos de Verão: seis. Da mesma forma, ninguém ganhou mais medalhas do que ele: cinco. Não é preciso dizer que Robert Scheidt tem, merecidamente, seu nome na história olímpica brasileira. O anúncio do fim da sua carreira, feito domingo, em entrevista ao Esporte Espetacular, porém, precisa ser visto também por outra ótica. Scheidt para e não deixa herdeiros.

Tecnicamente, o termo não é "aposentadoria" e dificilmente um dia será. No iatismo, a idade pode ir causando restrições para competir nesta ou naquela classe, numa ou outra função. Mas, ainda mais na vela oceânica, há sempre um lugarzinho reservado para quem conhece como ninguém barcos, velas, ventos, mar. Ou seja: para atletas como Robert Scheidt.

Talento para ele nunca faltou, desde seu primeiro título mundial, júnior, em 1991 – há 26 anos, portanto. Na Laser, ele ainda ganhou três medalhas olímpicas (ouros em 1996 e 2004 e prata em 2000), antes de partir para a Star no ciclo olímpico seguinte junto com Bruno Prada. Em 2007, faturou seu primeiro título mundial na nova classe, em Portugal. Três meses depois, Torben Grael, bicampeão olímpico na classe e também dono de cinco medalhas, anunciava sua aposentadoria "olímpica".

"Eles (Scheidt e Prata) têm se destacado muito na Star. É momento de dar oportunidade para os mais jovens", explicou Torben na ocasião, aos 47 anos, em meados de outubro de 2007, anunciando que comandaria o Ericsson Racing Team na Volvo Ocean Race.

Não será surpresa se, na terça, exatamente dez anos depois, a cena se repetir na entrevista coletiva marcada para acontecer em São Paulo. Aos 44 anos, Scheidt não é o melhor da classe na qual iniciou a corrida olímpica para Tóquio, a 49er. Aliás, em um ano no novo barco, passou longe dessa posição. No Mundial, disputado em Portugal, a cena de uma década atrás se inverteu. Scheidt (com Gabriel Borges) foi só 40º, enquanto Marco Grael, filho de Torben, com Carlos Robles, foi 20º.

As situações só não se assemelham em dois pontos. O primeiro é que, se Torben teve um ano para se preparar para a Volvo, realizada a cada três anos, a próxima edição da volta ao mundo começa na segunda-feira que vem. Na sexta, o comando do time holandês ficou vago com a demissão de Simeon Tienpont, mas a Volvo não estaria nos planos de Robert.

O segundo é que Marco Grael não é Robert Scheidt. Aliás, ninguém é, nem parece chegar perto de ser. Enquanto Torben parou deixando Scheidt como herdeiro e Bruno Prada se aposentou enquanto Jorge Zarif era campeão mundial na Finn, agora o cenário é preocupante para a vela brasileira. A medalha de Martine Grael e Kahena Kunze no Mundial de 49erFX foi a única conquistada pelo Brasil nos Mundiais deste ano e a projeção para Tóquio-2020 é preocupante.

O próprio Scheidt, aliás, não teve grande colaboração para reverter esse cenário. Morando na Itália há quase uma década, competiu poucas vezes no Brasil, num momento em que a popularidade da vela é baixíssima. Basta ver o minúsculo número de participantes da edição deste ano da Copa Brasil de Vela, seletiva para formar a seleção brasileira.

Na 49er havia apenas cinco barcos, sendo um deles de Martine e Kahena, que competiram entre os homens na falta de rivais mulheres. E ainda havia outras duas duplas da família Grael: além de Marco, também seu primo Nicholas, filho de Lars. Mesmo na Laser, uma das classes mais tradicionais da vela brasileira, o melhor no Mundial foi João Pedro Oliveira, apenas o 55º colocado.

Se voltasse à Laser e tentasse classificação para os Jogos de Tóquio, Scheidt, que foi quarto na Rio-2016 e venceu a sua última regata olímpica, talvez até conquistasse vaga para mais uma Olimpíada. Mas ser mais um nunca foi o suficiente para um dos maiores medalhistas da história da vela – assim como ele e Torben, também o britânico Ben Ainsile tem cinco medalhas. Tal como os dois, Robert ainda tem muito a dar ao esporte e logo logo estará mostrando isso nas regatas oceânicas.

E não será surpresa se a coleção de 13 títulos mundiais (10 na Laser, três na Star) ainda for ampliada. Afinal, mesmo fora do programa olímpico, a Star continua tendo seu Campeonato Mundial disputado anualmente.

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.