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Olhar Olímpico

Assembleia do COB deve pressionar Nuzman a renunciar para não ser expulso

Demétrio Vecchioli

11/10/2017 00h01

Nuzman e Paulo Wanderley (Heitor Vilela/COB)

"Toma cuidado com o celular, só tem ladrão aí dentro". A frase dita por um transeunte enquanto este repórter trocava mensagens pelo celular na calçada em frente à sede do Comitê Olímpico do Brasil (COB), é representativa. Não que lá dentro, de fato, só haja bandidos. Pelo contrário, a lista de gente bem intencionada é enorme. Mas é essa a imagem que fica, para muitos, quando se tem, preso, o homem que ao longo dos últimos 22 anos foi quem mandou e desmandou lá dentro.

A 'era Nuzman' à frente do movimento olímpico brasileiro ainda não deverá acabar nesta quarta-feira, quando a assembleia formada basicamente por presidentes de federações e um único representante dos atletas deverá se reunir para discutir uma pauta que tem dois temas diretamente relacionados: a suspensão do COB por parte do Comitê Olímpico Internacional (COI) e uma carta assinada por Nuzman na qual ele pede afastamento do cargo até que prove sua inocência no processo que o levou à prisão.

O presidente do COB foi levado pelos policias federais na quinta-feira pela manhã e, à tarde, Paulo Wanderley, ex-presidente da Confederação Brasileira de Judô (CBJ) e escolhido em 2016 pelos presidentes de federações para substituir Nuzman assim que possível, tirou as mangas de fora. Entendendo que Nuzman estava afastado, assumiu como presidente interino.

Nuzman provavelmente não concordaria com a postura, mas o septuagenário dirigente está atrás das grades e talvez não possa decidir mais nem em qual colchão vai dormir. Entregar uma carta pedindo afastamento das presidências do COB e da Rio-2016, depois que o COI já havia punido o comitê brasileiro, foi uma estratégia usada para tentar convencer a Justiça Federal a não condená-lo à prisão preventiva. O plano deu errado e agora Nuzman não sabe quando sairá da cadeia.

A carta era o que Paulo Wanderley queria. Ele, que já havia marcado uma "reunião" informal para esta terça-feira, no Rio, com os presidentes de federações, aproveitou o documento para convocar uma assembleia extraordinária, cancelando o primeiro encontro. Com Nuzman preso, o COB precisando se livrar da suspensão imposta pelo COI e o apoio de seus pares, o ex-dirigente do judô já tem um plano traçado.

Se a assembleia concordar – e ao que tudo indica, irá -, será aberto um processo disciplinar contra Nuzman, ainda que o capítulo de "penalidades" do Estatuto do COB exclua essa possibilidade aos "membros do COB que sejam membros do COI". Por outro lado, o mesmo estatuto diz: "Somente poderão integrar os poderes do COB (um deles, a presidência) as pessoas que (…) não estejam impedidos pelas normas do COI".

Os presidentes de federações, porém, não podem derrubar Nuzman de uma hora para outra. O regimento interno da assembleia, entidade responsável por aplicar as punições, determina que, após a aprovação do indiciamento pela maioria simples de votos, o indiciado (no caso, Nuzman), terá 15 dias para apresentar sua defesa. Um relator estudaria o caso, daria um parecer e este seria votado pela assembleia.

Tudo isso, na verdade, seria uma forma de pressionar Nuzman a renunciar. Não é segredo para quase ninguém – talvez para Nuzman, que só tem contato com seus advogados – que o COI passou o recado de que só revogará a suspensão imposta ao COB se a entidade brasileira se livrar de Nuzman. Neste caso, seria a assembleia a passar o recado: melhor renunciar.

Paulo Wanderley tem respaldo para seguir adiante. Nuzman sempre teve quase irrestrito apoio nas suas reeleições, mas teve que "compor chapa" com Wanderley para garantir a vitória por aclamação em 2016. Voz das confederações dentro do COB, o dirigente do judô colecionou aliados e ganhou o apoio de uma nova geração de dirigentes que chegou para tirar os "dinossauros" do poder.

Nas duas entrevistas que deu desde que assumiu a presidência interina do COB, uma delas ao colega Eduardo Ohata, do UOL, Paulo Wanderley já deixou claro seu mantra. Vai bater nas teclas da transparência, da governança e do compliance, até colar a ideia de que ele será responsável por aplicar, no COB, regras que a opinião pública acredita que não existiam com Nuzman – vale lembrar, a suspeita sobre Nuzman não envolve exatamente o COB, mas o Comitê Rio-2016.

Como "rei morto é rei posto", em poucos dias Nuzman perdeu quase todo o apoio que tinha dentro do COB. Mesmo aliados históricos já trabalham abertamente com Paulo Wanderley para que esse "choque de gestão" seja implantado a partir de sexta-feira – o COB promete não emendar o feriadão.

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.