Topo

Olhar Olímpico

COI suspende relações com Rio-2016 e dívida ficará com estado e município

Demétrio Vecchioli

06/10/2017 10h59

Nuzman é preso pela PF. Foto: Mauro Pimentel/AFP

A prisão de Carlos Arthur Nuzman pelo envolvimento no escândalo de compra de votos para o Rio ser escolhido como sede dos Jogos Olímpicos de 2009 ainda deverá continuar afetando as contas públicas. Nesta sexta-feira, o Comitê Olímpico Internacional (COI) anunciou que não injetará mais recursos e está encerrando provisoriamente suas relações com o Comitê Organizador Rio-2016, que ainda deve cerca de R$ 100 milhões. Por contrato, quem tem que pagar a conta são a prefeitura do Rio e o Governo do Estado.

A decisão foi anunciada na manhã desta sexta-feira no mesmo documento no qual o COI suspendeu provisoriamente o Comitê Olímpico do Brasil (COB) e seu membro honorário Nuzman. Além disso, também excluiu o dirigente brasileiro, aí de forma definitiva, da Comissão responsável, dentro do COI, pela organização dos Jogos de Tóquio, em 2020.

Porém, é essa decisão com relação ao Comitê Rio-2016 a que terá mais impacto. O órgão foi criado em 2009, após a escolha do Rio como sede dos Jogos Olímpicos, tendo como integrantes o COB, o COI e as três esferas governamentais brasileiras: união, estado e município.

No seu contrato de formação, ficou estabelecido que caberia ao COB tomar a decisão de encerrar a empresa. Ao mesmo tempo, seriam responsabilidade da prefeitura (então administrada por Eduardo Paes), do estado (Sergio Cabral) e da união (Lula) darem as garantias financeiras. Em 2015, o governo federal se livrou dessa obrigação, assumindo outras responsabilidades. Ou seja: sobrou para estado e município se responsabilizarem por eventuais dívidas a serem honradas.

No final do ano passado, essa dívida estava em R$ 132 milhões, como mostrou em primeira mão o UOL em abril. Há cerca de três semanas, ela girava em torno de R$ 100 milhões, de acordo com cálculos informais. Entre os credores estão desde proprietários de ingressos que foram revendidos no sistema oficial quanto outros entes são públicos, como Exército.

O Comitê Rio-2016 chegou a reclamar que a dívida só existia porque estes mesmos entes públicos se comprometeram a firmar patrocínios que nunca foram efetivados. Ao mesmo tempo, foi diversas vezes ao COI pedir socorro e imaginava que receberia essa ajuda em uma reunião marcada para acontecer em Lima, no Peru, durante a última assembleia geral do COI.

Uma semana antes, porém, a Polícia Federal deflagrou a primeira fase da Operação Unfair Play, confiscando os passaportes de Nuzman. Ele não pôde viajar e ficou com a imagem desgastada junto ao COI. O que sobrava de credibilidade virou pó com a prisão do dirigente, na quinta, na segunda fase da mesma operação. Junto com ele, foi preso seu braço-direito e ex-diretor de operações Leonardo Gryner.

Assim, no comunicado desta sexta, o COI disse que "fechou todas as suas obrigações com o Comitê Organizador em dezembro de 2016", anunciando a suspensão provisória de todas as "outras" relações com o Comitê Organizador, sem detalhar quais.

A entidade entidade internacional ainda reclamou que a contribuição do movimento olímpico excedeu "significativamente" suas obrigações contratuais, levando em consideração a grave crise que afeta o país. O Comitê Rio-2016 sempre alegou que cumpriu integralmente seu orçamento inicial, de US$ 2,8 bilhões. A entidade, porém, chegou a se comprometer em reduzi-lo. Assim, de fato, em diversas ocasiões o poder público brasileiro não cumpriu suas obrigações e coube ao COI pagar a conta.

Nuzman foi preso na última quinta-feira no Rio de Janeiro. No pedido de prisão apresentado pelo Ministério Público Federal, ele é acusado de tentativa de ocultação de bens. Também é apontado um aumento de patrimônio de Nuzman de mais de 457% entre os anos de 2006 e 2016.

Como exemplo, o Ministério Público citou uma chave apreendida na primeira fase da operação que poderia corresponder a um cofre na Suíça, considerando que estava guardada junto a cartões de visita de agentes que trabalham como serviço de locação. Ela contém 16 barras de ouro de 1 kg.

Além disso, foi anexado no processo e-mails que atrelam o dirigente a uma lista de pagamentos que seriam feitos a dirigentes pela escolha do Rio de Janeiro como sede olímpica em 2016. Esses pagamentos foram efetuados pelo empresário Arthur Soares, conhecido como Rei Arthur, em uma conta ligada ao ex-presidente da Federação Internacional de Atletismos, Lamine Diack, na véspera da escolha do Rio, em 2009.

Depois desse primeiro pagamento, de US$ 2 milhões, Diack enviou e-mails a Nuzman cobrando que um "problema" fosse resolvido e citando suas contas bancárias. Para os procuradores, isso é um indício de que os US$ 2 milhões iniciais foram depois seguidos de novos depósitos. Além disso, eles entendem que não apenas o voto de Diack foi comprado.

Leia também

Nuzman cogitou vida em Miami antes de fracasso eleitoral e prisão
Nuzman preso: estatuto do COB desrespeita lei e não tem punição a corrupto
Amigo alertou Nuzman sobre pente-fino do governo em contas do Pan
PF prende Nuzman e seu braço direito; MPF fala em enriquecimento de 457%
Investigação contra Nuzman começou na França após denúncia de doping
Procuradora diz que e-mails revelam propina para grupo "nossos amigos"

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.