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Olhar Olímpico

ONU critica aposta em 'herói' para incentivar prática esportiva no Brasil

Demétrio Vecchioli

25/09/2017 17h01

Thiago Braz comemora ouro olímpico (Alexandre Cassiano/Nopp)

Dez anos após iniciar a sua "década esportiva", na qual organizou os Jogos Pan-Americanos, a Copa do Mundo de futebol, os Jogos Mundiais Militares e os Jogos Olímpicos, o Brasil ainda engatinha na democratização da prática esportiva. É esta uma das conclusões de um longo Relatório Nacional de Desenvolvimento Humano do Brasil, divulgado nesta segunda-feira pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), da ONU.

O relatório é o primeiro em nível mundial sobre o que o PNUD chama de AFE: Atividades Físicas e Esportivas. "Dentre as mensagens principais do relatório está o entendimento de que praticar AFEs é um direito das pessoas (não um dever)", escreve Niky Fabiancic, representante residente do PNUD no Brasil.

Em mais de 200 páginas, o relatório destrincha estatísticas e pesquisas e chega à conclusão, já repetida por especialistas há vários anos, de que o Brasil investe muito mais no alto rendimento do que nas AFEs. No entender do PNUD, isso acontece porque os governos entendem que criar o "mito do herói" é o melhor canal para convencer as pessoas a praticarem atividades físicas.

"Ainda há no setor público uma ideia amplamente disseminada de que o investimento no esporte de alto rendimento, por meio da emergência de 'heróis esportivos', incentiva a população em geral a praticar AFEs. Evidentemente, os heróis esportivos são inspiração para muitas pessoas (…) e eventualmente fazem a diferença. No entanto, essa visão precisa ser ampliada na direção de um novo Sistema Nacional de Esporte que reconheça que o fomento ao esporte de alto rendimento e a promoção de atividades físicas e esportivas para todas as pessoas possuem lógicas distintas, mas precisam ser tratadas de maneira integrada, complementar, sem que um se sobreponha ao outro", cobra o PNUD.

O relatório lembra que o atual Sistema Nacional de Esporte (ou seja: os comitês olímpico e paraolímpico, confederações e clubes) atual, que tem como prioridade promover o esporte de alto rendimento, concentra a quase totalidade dos recursos públicos, mesmo atendendo a apenas 7,6% da população que pratica atividades físicas e esportivas.

"Tradicionalmente o maior investimento público se concentra nos jovens, nos homens e nas pessoas já envolvidas (esportistas), enquanto os setores que mais necessitariam do apoio do poder público são os que menos recebem, como no caso das pessoas idosas, das mulheres e dos não esportistas", avalia o relatório, reforçando que a Constituição garante o acesso à população o acesso ao esporte, ainda que o grosso do investimento em AFEs seja feito pelas famílias – em média, 90% do gasto privado, totalizando R$ 51,98 bilhões em 2015.

É preciso repensar – Para Fabiancic, o relatório faz "um chamado para que as políticas públicas e iniciativas na área ampliem as oportunidades para as mulheres, os idosos, as pessoas em situação de vulnerabilidade social, os negros, as pessoas com deficiência e com baixa escolaridade."

Ainda que argumente que "é complexo definir um percentual único de praticantes de AFEs no Brasil", por conta dos parâmetros possíveis, o relatório chega à conclusão de que "o percentual é baixo, em torno de 30% ou menos". De forma geral, quem tem melhores condições socioeconômicas pratica mais esporte.

"Características como ser jovem, homem, branco, de alto nível socioeconômico e alto grau de instrução estão frequentemente vinculadas a um nível mais alto de prática das AFEs, ao passo que características como ser idoso, mulher, negro, de baixo nível socioeconômico ou baixo grau de instrução estão frequentemente vinculadas a um nível mais baixo de prática de AFEs", avalia o PNUD.

Considerando a faixa de homens com renda mensal de até meio salário mínimo, por exemplo, quase 60% deles praticam atividades físicas entre 18 e 24 anos, contra mais de 72% quando o recorte são homens com renda de mais de cinco salários mínimos. Quando ambos os perfis chegam aos 40 anos, essa taxa caiu para 66% entre os mais ricos e para somente 17% entre os mais pobres.

Entre as mulheres, a diferença é ainda mais gritante. As mais ricas partem de 80% quando têm entre 15 e 17 anos, chegando a 56% delas praticando atividade física após 60 anos. Já entre as mais pobres, apenas 27% delas faz AFEs durante a adolescência, número que chega a 12% na velhice.

Usando um compilado de dados públicos, o PNUD ressalta que "calcula-se que 15% dos custos do Sistema
Único de Saúde (SUS) com internações em 2013 são atribuíveis à inatividade física" e "em torno de 5% das mortes prematuras no país são decorrentes da inatividade física".

O problema começa na escola, como mostra o relatório do PNUD, que recomenda um modelo do que o programa chama de "Escola Ativa". No entender do programa da ONU, 88% das escolas do país se encaixam de forma "insuficiente" ou "elementar" no modelo e apenas 0,55% delas pode ser considerada "avançadas" ou "plenas".

"Falar de Escolas Ativas não implica em tratar somente de aspectos normativos, de mudança de leis e regras, ou ainda somente da Educação Física escolar. Para que se construa uma Escola Ativa é necessário advogar em favor das AFEs para toda a comunidade escolar (gestores, professores, funcionários, estudantes, famílias), na escola e fora dela", escreve o relatório.

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.