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Olhar Olímpico

Nuzman ataca cooperação com França e diz que R$ 480 mil eram para viagens

Demétrio Vecchioli

18/09/2017 14h04

Presidente do Comitê Olímpico do Brasil (COB) e do Comitê Organizador dos Jogos Rio-2016, Carlos Arthur Nuzman mantinha R$ 480 mil em cinco moedas diferentes em sua residência porque viaja constantemente. É esta a explicação dada pelos advogados do dirigente em habeas corpus apresentado na semana passada à Justiça Federal. A ideia é conseguir a devolução dos bens apreendidos, incluindo três passaportes, e que caia a proibição para que Nuzman deixe o país.

De forma geral, a defesa tenta invalidar a cooperação internacional com os investigadores franceses, descredenciar o delator Eric Maleson, antigo rival político de Nuzman, além de argumentar que o dirigente do COB não tem cargo público e, pela lei brasileira, não poderia ser acusado de corrupção.

Durante a Operação Unfairplay, há duas semanas, a Polícia Federal cumpriu um mandado de busca a apreensão na casa de Nuzman, na Zona Sul do Rio, e lá encontrou R$ 102 mil, além de 35 mil dólares, 67 mil euros, 1,3 mil libras esterlinas e 8 mil francos suíços. Convertidos pelo câmbio do dia, as somas ultrapassavam R$ 480 mil. É muito mais do que a polícia encontrou em cinco contas bancárias no nome de Nuzman, que juntas guardavam R$ 148 mil.

No habeas corpus protocolado na sexta-feira no Tribunal Regional Federal da 2ª Região, os advogados da H.B., Cavalcanti & Mazzillo alegam que, por conta dos cargos que Nuzman possui, "suas viagens ao exterior são constantes, quase semanais, havendo naturalmente disponibilização de verbas para despesas". No entender da defesa do dirigente, "não se vislumbra ilicitude por ter se encontrado moedas estrangeiras".

Desde que a operação aconteceu, Nuzman ainda não havia apresentado defesa. Ele chegou a ser levado a depor na sede da Polícia Federal, no Rio, mas preferiu ficar calado. No mesmo dia, a defesa dele soltou uma breve nota à imprensa, garantindo que a escolha da sede dos Jogos Olímpicos de 2016, realizada em 2009, fora limpa. Mas, na ocasião, nenhuma das acusações foram comentadas.

Agora, neste habeas corpus, a defesa de Nuzman deixa claro o tom ao começar o documento escrevendo em letras garrafais: "O Brasil não é e nunca foi colônia francesa. Já foi de Portugal. E não é mais". Tudo para, nas páginas seguintes, criticar a cooperação internacional entre o Ministério Público Federal (MPF) do Brasil e os investigadores franceses que iniciaram as investigações sobre os repasses feitos ao senegalês Lamine Diack, então presidente da Federação Internacional de Atletismo (IAAF, na sigla em inglês).

A defesa de Nuzman alega que a Justiça da França, em fase de "mera apuração", menciona "en passant" (de passagem) "episódio que estima como vinculado ao Brasil" referente à compra de voto. E argumenta que a investigação apura condutas ilegais perante a lei francesa, "porém, sem correspondência normativa no campo opressivo penal na Lei Brasileira".

"Ora, não se pode prestar vassalagem a pretensões alienígenas, menoscabando a importância da Justiça Brasileira", reclama a defesa de Nuzman. "Não se pode conceber como razoável que integrantes do Ministério Público da França participem diretamente de diligências no território nacional", escreve.

A principal argumentação de Nuzman é que a legislação penal brasileira não contempla os delitos de corrupção ativa ou passiva de pessoa que não exerça função pública. Ou seja: no entender dos advogados do dirigente, ele não poderia ser julgado "ainda que existisse irregularidade na votação do Rio".

Abuso de poder – Para a defesa de Nuzman, a participação das autoridades francesas na casa do dirigente foi "inadequada, imprópria e até abusiva", uma vez que ele foi "tratado como se fosse meliante". A alegação é de que "não há nenhum vínculo que possa ligar o COB ou seu presidente a qualquer vantagem indevida que tenha beneficiado aqueles que foram apontados como integrantes da pretensa organização criminosa". Ou seja: o ex-governador Sergio Cabral e o empresário Arthur Soares.

Outra frente dos defensores do dirigente brasileiro é atacar a credibilidade de Eric Maleson, ex-presidente da Confederação Brasileira de Desportos no Gelo (CBDG), que foi quem denunciou o suposto esquema de compra de votos, depois de relatar ter ouvido de um ex-assessor do ex-prefeito Eduardo Paes uma frase que deu a ele tal entendimento.

No habeas corpus, os advogados lembram diversos da carreira de Maleson na frente da CBDG até ele ser destituído do cargo pela Justiça Brasileira, após uma série de acusações. "Talvez inconformado com as apurações que constataram as ilegalidades de sua gestão, Maleson resolveu atacar as demais instituições esportivas brasileiras com seus espasmos acusatórios, sem qualquer fundamento, maculando a imagem do Brasil ao redor do mundo", criticam os advogados.

No entender da defesa, ele já foi punido "em demasia" por ficar de fora da assembleia geral do Comitê Olímpico Internacional (COI), realizada na semana passada em Lima, no Peru, uma vez que a ausência forçada alcançou sua reputação "presumindo-lhe culpa, e não a inocência". Assim, os advogados pedem a devolução dos bens apreendidos e bloqueados e a revogação da proibição de deixar o país.

Passaportes – Com relação ao fato de Nuzman ter passaporte russo, a defesa do presidente do COB diz que ele é neto de russos, criticando "a elucubração cerebrina desataviada da realidade" de argumentar, como fez o MPF, que o passaporte, vencido, seria uma forma de ele fugir do Brasil. "Ele nunca utilizou tal documento", garante a defesa.

IAAF – Nuzman ainda rebate uma reportagem do Estadão que mostrou apenas parte de um e-mail enviado à IAAF no qual Nuzman indica uma conta na suíça para receber valores. De acordo com a defesa, a IAAF pediu que ele enviasse seus dados bancários para reembolso de despesas, uma vez que Nuzman é membro do seu Comitê de Ética, e a conta na Suíça é declarada no Imposto de Renda "há anos".

 

 

 

 

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.