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Olhar Olímpico

Mesmo desfalcado, Brasil faz seu melhor Mundial em 10 anos e ganha novo respiro

Demétrio Vecchioli

14/08/2017 04h00

(Toby Melville/Reuters)

Sem poder contar com Thiago Braz, que fazia péssima temporada depois do ouro olímpico, e Núbia Soares, candidata a medalha no salto triplo e cortada por lesão, o Brasil teve, em Londres, a sua melhor participação em Mundiais de Atletismo nos últimos 10 anos. Não só porque ganhou medalha pelo segundo Mundial seguido (o que não acontecia há 20 anos), mas também porque conseguiu chegar a mais finais do que está acostumado. Além disso, foram três recordes nacionais quebrados, dois deles também sul-americanos.

É verdade que esse cenário foi bastante influenciado pela medalha de bronze de Caio Sena, conquistada no último dia do Mundial. Mas tem sido assim praticamente desde sempre. Só em 1999 o Brasil ganhou mais de uma medalha em uma mesma edição (foram três naquele ano, em Sevilha). De resto, sempre dependeu de um atleta acima da média, papel que recentemente foi cumprido por Jadel Gregório (2007) e Fabiana Murer (2011 e 2015), além de Thiago Braz e Maurren Maggi, campeões olímpicos. Sempre que houve medalha, houve também um "salvador".

Desta vez, além do bronze conquistado por Caio Bonfim na marcha atlética 20km, o Brasil chegou entre os oito primeiros em outras quatro provas, cinco no total – foram só duas em 2015, sete em 2013 (sem medalha) e três em 2011. Em Londres, Erica Sena foi quarta colocada na marcha 20km, Rosângela Santos (100m), Thiago André (800m) e o revezamento 4x100m feminino terminaram em sétimo.

Se para o que o Brasil está acostumado a fazer o resultado não foi ruim, num contexto mais amplo o desempenho do atletismo brasileiro continua fraco. O país segue sem conseguir entrar no Top20 do 'placing table" (um ranking da IAAF que leva em consideração os resultados das finais) e, pela primeira vez na história, ficou abaixo da Colômbia, que ganhou duas medalhas no Mundial. Descontando o resultado de Nair da Rosa (quinta e última a completar os 50km feminino da marcha atlética, prova não olímpica, que só teve atletas de quatro países), o Brasil foi só 26º.

O resultado do país, é verdade, poderia ter sido melhor não fossem as ausências de Thiago e Núbia, que, em circunstâncias normais, seriam fortes candidatos a darem os melhores os resultados do país. Basta ver que a jovem de 21 anos continua quarta colocada do ranking mundial do salto triplo.

As outras duas chances eram com Caio e Erica, da marcha atlética. Ele de fato conquistou o bronze, enquanto ela bateu o recorde sul-americano e chegou em quarto lugar. Ambos ficaram entre os oito primeiros de todas as últimas quatro grandes competições da marcha: Mundial de 2015, Mundial por Equipes de 2016, Olimpíada e, agora Mundial de 2017.

Na elite – Não é coincidência que os melhores resultados tenham vindo de atletas que competem com regularidade contra os melhores do mundo. Rosângela Santos bateu o recorde sul-americano dos 100m rasos, se tornando a primeira brasileira a correr na casa de 10 segundos, e com larga margem. Thiago André também brigou de igual para igual com os melhores do mundo, numa temporada em que venceu uma etapa de Diamond League na prova de uma milha.

Nos dois casos, são atletas que, bem agenciados, conseguem espaço para participar de meetings na Europa e nos Estados Unidos (caso de Rosângela, que mora lá). Foi essa oportunidade de competir fora com regularidade que ajudou a impulsionar as carreiras de Fabiana Murer e Thiago Braz, por exemplo.

Essas oportunidades, aliadas também à qualidade técnica, acabam criando um abismo muito grande entre os integrantes da elite do atletismo brasileiro (lugar no qual todos os finalistas do Mundial já estavam) e os demais. No primeiro grupo, se encaixa também Geisa Arcanjo, que fez sua terceira final de grandes competições no peso, terminando em nono lugar. Andressa de Morais, no dardo, e Eliane Martins, no salto em distância, até passaram das eliminatórias, mas foram mal na final.

Tirando esse restrito grupo, a maior parte da delegação brasileira, formada por 36 atletas, não conseguiu chegar sequer perto de suas melhores marcas. Entre eles, alguns atletas que vieram a Londres com expectativa de se firmarem na elite, especialmente Darlan Romani, que é o nono do ranking mundial e teria ido ao pódio do peso se tivesse igualado sua melhor marca da temporada. O catarinense, porém, nem passou da primeira fase, depois de ser quinto na Olimpíada.

O mesmo vale para Aldemir Gomes, que teria sido finalista dos 200m com seus 20s15 do Troféu Brasil, e Wagner Domingos, o Montanha, que tinha resultados suficientes para novamente terminar entre os oito primeiros do Mundial – ele foi 12º na Olimpíada. Nono na Rio-2016 nos 3.000m com obstáculos, Altobeli Santos também não passou das eliminatórias.

Polêmica – A delegação brasileira em Londres foi inflada pelo fato de a Confederação Brasileira de Atletismo (CBAt) ter sido maleável nos seus critérios de convocação, especialmente para trazer a Londres o revezamento 4x400m masculino, que obteve vaga ao ser finalista do Mundial de Revezamentos, disputado nas Bahamas, em março. O time, porém, não cumpria o critério determinado pela CBAt, de ter dois atletas com índice em provas individuais, e a confederação deu um "jeitinho", incluindo na equipe Aldemir Gomes, que veio ao Mundial para correr os 200m e não participou do revezamento.

Como já se esperava, a convocação não se justificou. O 4x400m não passou à final, assim como outros atletas que vieram ao Mundial sem índice, convidados pela federação internacional (IAAF) como campeões sul-americanos ou para completar as vagas disponíveis nas provas. São os casos de Allan Wolski (lançamento do martelo), Tamara Alexandrino, Vanessa Schefer (ambas do heptatlo) e Paulo Sergio Oliveira (salto em distância), que ficaram entre os últimos de suas provas. A exceção nesse grupo foi Eliane, de 30 anos, que estava em seu terceiro Mundial, e ficou em 11º no salto em distância, longe de brigar por pódio.

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.