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Olhar Olímpico

Olimpíada entregou só 10% do potencial de legado, diz Ana Moser

Demétrio Vecchioli

10/08/2017 04h00

(Luiz Doro/adorofoto)

É consenso nacional que o Brasil passou longe de aproveitar a Olimpíada para construir um legado esportivo no país. As confederações estão sem dinheiro, as federações têm ainda menos, os patrocinadores sumiram e as competições, tanto na base quanto no alto rendimento, em geral têm cada vez menos clubes e atletas. Mas ao menos o Brasil conseguiu aproveitar minimamente a Rio-2016? Foi essa a primeira pergunta que fiz a Ana Moser, criadora e presidente do Instituto Esporte & Educação e ex-presidente da Atletas pelo Brasil.

"A gente teve 10% do nosso potencial de legado, que foi atingido pela mobilização em torno do tema esporte, que convergiu todos os setores da sociedade. Mídia, empresas que patrocinam o esporte, opinião púbica, educação, todo mundo convergiu para o tema esporte durante essa década esportiva. Só que como não havia planejamento para o legado, as coisas não aconteceram. Só essa sensibilização que talvez deixe algum lastro, mas as coisas que ficaram foram os custos com a construção do evento", avalia a ex-jogadora de vôlei.

Aos 48 anos, Ana Moser foi, de longe, a voz mais ativa na defesa de um legado esportivo durante o período de preparação para a Copa do Mundo e a Olimpíada. Apresentou e defendeu o projeto Cidades da Copa, que visava ampliar o acesso ao esporte nas cidades-sedes do Mundial de futebol de 2014 e à frente da Atletas pelo Brasil, conseguiu a aprovação da MP 620, sancionada em 2013, que, entre outras coisas, proíbe a reeleição em confederações.

Conquistas relativamente pequenas perto do que se esperava para o Brasil pós-olímpico. "A gente poderia ter estabelecido um pacto nacional, que é uma coisa simbólica, mas verdadeira. A educação tem muito recurso, a saúde, assistência social. A gente poderia ter aproveitado para oferecer o esporte como recurso interessante para essas outras outras pastas. Unir universidades, empresas. Um pacto nacional. Mas se perdeu o momento", lamenta.

Na falta de um pacto nacional, também não foi estabelecido um sistema nacional de esporte. Hoje, cabe ao governo federal financiar os Comitês Olímpicos (COB) e Paralímpicos (CPB) e as confederações olímpicas, além de pagar bolsa aos atletas olímpicos de alto rendimento. Mas estados e municípios, de forma geral, não assumem responsabilidades e, sem dinheiro, as federações estaduais pouco ou nada fazem para estimular a prática esportiva.

"As competições estaduais, em termos de volume, hoje são muito pequenas. Na educação, é muito claro o que é responsabilidade da união, do estado e do município. Mas e no esporte? Os municípios se veem pressionados pelos cidadãos, mas não têm recursos nem sabem como gastar. Política sem recurso é discurso. Como é essa distribuição, essa racionalização do recurso, para que fins? Todo o recurso mobilizado foi para o esporte de rendimento. Inclusive recursos públicos de estados e municípios. Agora estamos assim."

Para Ana Moser, o país deveria ter aproveitado a oportunidade para criar essa visão sistêmica, reconhecendo os atores que fazem o esporte, estabelecendo metas e racionalizando orçamentos. "Se você não tem um sistema que te dê um embasamento, você vai desperdiçando dinheiro."

E foi sem esse embasamento que o Rio construiu os equipamentos que seriam utilizados na Olimpíada. Levantou três "Arenas Cariocas", um Centro de Tênis, um Velódromo, um Estádio Aquático, outros dois ginásios, e reformou estruturas como as raias de remo da Lagoa Rodrigo de Freitas e os centros de tiro esportivo, hipismo e pentatlo moderno em Deodoro. Hoje, quase tudo isso está, se não fechado, ao menos subaproveitado.

"O que deveria ser feito é fazer valer a pena esse investimento, com estruturação de programas, políticas, um sistema que integre diferentes setores para fazer esporte, para ampliar numero de praticantes. Isso teria feito valer a pena qualquer investimento", avalia a ex-jogadora.

Depois de dois mandatos, ela "devolveu" a presidência da Atletas pelo Brasil para Raí, mas continua influente dentro do movimento. No mês passado, a ONG lançou o Rating de Entidades Esportivas, um recurso que vai avaliar as confederações a partir de padrões de governança e gestão e auxiliar os patrocinadores a direcionar os investimentos. Ana Moser acredita que com esse tipo de ação, o esporte no país ainda pode dar alguns passos adiante.

"Eu acho que pode vai ajudar nesse sentido. Cada vez mais as empresas vão estar avaliando os seus investimentos. O efeito pode não ser que não imediato por conta do momento financeiro, mas vai ser sentido."

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.