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Olhar Olímpico

Doping, naturalizações, androgenia: o dilema do atletismo é quem pode competir

Demétrio Vecchioli

10/08/2017 16h43


Demétrio Vecchioli e Julianne Cerasoli

As vaias a Justin Gatlin, a vitória de uma queniana que corre pelo Bahrein na maratona, os atletas que competem sem bandeira, os feitos de Caster Semenya, o veto a Isaac Makwala. Modalidade mais heterogênea e com maior número de países disputando seu Campeonato Mundial, o atletismo vive em meio a debates que convergem em uma só questão: quem deveria e quem não deveria estar competindo.

O maior desses debates é o que envolve os atletas russos. Ainda no final de 2015, a federação internacional (IAAF) deixou de reconhecer a federação russa de atletismo. E a consequência disso é que os atletas do país ficaram sem representatividade, mesmo os que nunca foram flagrados em exames antidoping. Na Rio-2016, só uma atleta russa foi autorizada a competir.

Para este ano, a IAAF afrouxou sua postura linha dura e admitiu que atletas que cumprissem alguns critérios pré-estabelecidos poderiam competir internacionalmente, aparecendo no ranking mundial e, consequentemente, podendo alcançar índice para o Mundial de Londres. No total, 19 russos foram inscritos, mas eles têm que competir como "atletas neutros". Seus uniformes não têm identificação da Rússia e, quando eles vão ao pódio, a bandeira hasteada é a da própria IAAF.

Isso, claro, gerou grande discussão. Os russos, de forma geral, reclamam de descriminação e, num debate que vem desde antes da Olimpíada, cobram autorização para todos os atletas que não estão suspensos por doping. De outro lado, há quem reclame da concessão feita pela IAAF, considerando que o esquema de doping da Rússia ainda não foi completamente controlado.

A discussão do doping também esteve no centro das atenções nos dois primeiros dias do Mundial, por causa de Justin Gatlin. Campeão dos 100m, ele foi vaiado toda vez que teve seu nome anunciado. Tem sido assim desde 2010, quando ele voltou ao atletismo, depois de quatro anos de suspensão. Muita gente considera que ele deveria ter sido banido pela vida toda depois do segundo caso de doping da carreira. Mas a pena acabou reduzida para oito anos, porque ele cooperou com as investigações, e depois para quatro.

Ao contrário de Gatlin, Isaac Makwala teve total apoio do público no Estádio Olímpico de Londres. O atleta de Botsuana foi impedido de disputar a final dos 400m pela IAAF. É que ele teria sido infectado pelo norovírus, conclusão tirada pela comissão médica da federação, depois de Makwala vomitar durante o aquecimento na segunda-feira. Ele não correu as eliminatórias dos 200m por causa disso e foi barrado no dia seguinte porque, de acordo com a IAAF, deveria ficar 48 horas em quarentena, para proteger seus adversários.

Houve quem concordasse com a decisão da federação, baseada em protocolos das autoridades de saúde do Reino Unido, mas muita gente disparou contra a entidade. O astro Michael Johnson, que já foi campeão mundial das duas provas, acusou a IAAF de sabotar Makwala para proteger o sul-africano Wayde van Niekerk, candidato a "novo Bolt". Makwala também reclamou bastante, garantindo que estava ótima para competir na terça-feira, na final dos 400m.

Por falar em sul-africano, não há como não citar a polêmica em torno da corredora Caster Semenya, bronze nos 800m e grande favorita ao ouro nos 1.500m. o caso dela é antigo: ela tem hiperandrogenismo. Ou seja: seu corpo produz mais testosterona do que o normal. Isso foi apontado no passado, em exames de "feminilidade", que depois foram proibidos pela Corte Arbitral do Esporte (CAS), depois de uma apelação da indiana Dutee Chand, que também disputa o Mundial.

A IAAF suspendeu os polêmicos exames por dois anos, mas pode voltar a realizá-los ainda em 2017. Chand e Semenya, por altos níveis de produzirem testosterona involuntariamente, podem voltar a ser proibidas de competir. Os críticos à participação da sul-africana alegam que ela leva vantagem sobre as rivais por conta de sua condição.

E ainda há o caso dos atletas que competem por pátrias que estão longe de ser as suas, mas que lhes oferecem boas condições financeiras para competir. É o caso principalmente do Bahrein, que já ganhou duas medalhas no Mundial, ambas por atletas naturalizados. Rose Chelimo, que ganhou a maratona feminina, só morou 19 dias no Bahrein antes de ganhar seu passaporte. Ela é nascida e criada no Quênia.

Outros países do oriente médio têm apelado para a mesma tática, como o Qatar, principalmente. Prata nos 400m pelo Bahrein, Salwa Eid Naser nasceu na Nigéria. Nos 400m com barreiras, Yasmani Copello ganhou medalha pela Turquia mas é cubano. Além dele, outro cubano, Alexis, disputa o salto triplo pelo Azerbaijão.

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.