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Olhar Olímpico

Como amizade com Gatlin ajudou Rosângela Santos a chegar a final inédita

Demétrio Vecchioli

06/08/2017 18h58

(AP Photo/Tim Ireland)

Rosângela Santos encarou de igual para igual as melhores do mundo neste domingo, na primeira vez que uma brasileira disputou uma final dos 100m rasos em um Campeonato Mundial de Atletismo. Depois de bater o recorde sul-americano nas eliminatórias, não conseguiu repetir o resultado duas horas e meia depois, mas comemorou um histórico sétimo lugar.

"Mostrei que não é impossível", disse, radiante, depois da prova e de melhorar seu recorde pessoal em incríveis 13 centésimos, uma eternidade para a prova mais rápida do atletismo. A inspiração veio no feito de um amigo, ninguém menos do que Justin Gatlin, que no sábado à noite, na mesma pista, venceu Usain Bolt na despedida do jamaicano.

"Fiquei muito feliz por ele. Nada contra o Bolt, mas eu gostava mais dele. (O resultado de sábado) me inspirou muito. Ele mostrou que contra tudo e todos ele reinou. Isso me serviu de inspiração para hoje (domingo). Não é impossível. A gente coloca um fantasma que: 'Não, é impossível, elas são de outro planeta'. Mas não são. São igual a mim, de carne e osso. Ontem (sábado) eu mandei mensagem para ele, de parabéns, dizendo que estava muito feliz, e ele mandou boa sorte e (disse) que estava torcendo por mim", contou.

Rosângela nasceu em Washington em 1990, quando seus pais foram trabalhar lá, e voltou para os Estados Unidos já há alguns anos. Foi lá que conheceu Gatlin, com quem mantém contato – no Instagram, comemorou a medalha do amigo com uma foto dos dois juntos tirada na Olimpíada de 2012.

Os resultados dos dois amigos em Londres não pode ser comparado, mas, para o atletismo brasileiro, o feito de Rosângela foi extraordinário. "Esse sétimo lugar para mim foi a minha medalha. Competir com elas é muito difícil, é realmente um nível extraordinário, não tenho palavras. Os 11s não são mais impossíveis. Finalmente consegui quebrar essa barreira que tanto busquei e pela qual tanto trabalhei."

Rosângela foi a 99ª mulher a quebrar a tal barreira dos 11 segundos (correu a semifinal em 10s91), feito equivalente a alcançar a casa de 9 segundos na prova masculina – 125 homens já fizeram isso, nenhum brasileiro. "Saio daqui com meus dois melhores tempos da vida. A sensação não poderia ser melhor. Não são todos os atletas que conseguem estar na melhor forma na competição."

A brasileira também falou sobre o fato de não ter repetido, na final, o resultado da semi. Se tivesse invertido os resultados, fazendo 11s06 mais cedo e 10s91, estaria no pódio, com bronze. Só que o esporte não é matemática pura. "A final é muito mais difícil. É uma mistura de emoções.  Todas elas têm um resultado melhor da vida do que o meu. Eu fiz o meu melhor hoje. Para mim não era uma surpresa eu estar disputando o sexto, o sétimo lugar na final. Eu já sabia que isso poderia acontecer. Elas já têm 10s80, 10s70, já têm mais perna do que eu. Preciso trabalhar um pouco mais para buscar o 10s80, 10s70".

 

Para chegar ao resultado inédito deste domingo, Rosângela mudou sua preparação. Foi de Miami para Houston, também nos Estados Unidos, e passou a trabalhar com Eric Francis, um treinador natural de São Cristóvão & Nevis. Com ele, passou a treinar distâncias mais longas, até 5km.

"Meu técnico me fez entender que os 100m não são só velocidade. A gente queima em cinco segundos a nossa velocidade. Então a gente tem que tentar chegar o mais longe possível, e aí é resistência de velocidade", explicou.

O sétimo lugar no Mundial deve mudar as perspectivas para Rosângela. Este ano, ela chegou a lançar uma vaquinha online para financiar seus treinamentos nos Estados Unidos e disse diversas vezes que estava pensando em virar motorista de Uber – só esperava a licença necessária, que viria no segundo semestre. Mas, ao fazer final em Londres, ela entra nos critérios para ganhar R$ 10 mil na Bolsa Pódio, valor que, somado aos salários que recebe no Pinheiros e nas Forças Armadas, além do patrocínio da Nike, devem garantir sua preparação.

Além disso, devem permitir a Rosângela competir com regularidade contra as melhores do mundo. "Vai abrir muito mais portas para mim nas competições, principalmente no ano que vem, que é um ano que a gente considera morto por não ter Mundial, não ter Olimpíada. Então para estar disputando uma Diamond… Imagina, Rosângela ganhando um troféu da Diamond? Nunca se sabe né, vamos brigar para isso, mas o Bolsa Pódio via me ajudar bastante, conseguir suprir tudo isso que faltou neste ano".

 

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.