Topo

Olhar Olímpico

Crise política e financeira une nadadores e Brasil ganha uma 'seleção'

Demétrio Vecchioli

26/07/2017 04h00

(Satiro Sodré/SSPress/CBDA

Cesar Cielo, Marcelo Chierighini, Gabriel Santos e Bruno Fratus ainda atendiam as emissoras de tevê quando um grupo com pelo menos cinco nadadores brasileiros tentou furar a segurança e ir da área reservada aos atletas para o setor de imprensa. Eufóricos, queriam comemorar junto com os companheiros a medalha conquistada minutos antes pelo revezamento 4x100m livre. Pode parecer uma cena usual em outras modalidades, mas não na natação brasileira. Por isso, ela é simbólica. O entendimento é unânime: pela primeira vez em muito tempo, o Brasil tem uma seleção de natação, não um apanhado de nadadores.

O discurso é antigo, mas a prática só veio agora. Incontáveis vezes os mesmos nadadores que estão presentes ao Mundial de Budapeste falaram sobre a necessidade de, no jargão futebolístico, ter um time unido. Uma equipe de atletas que se apoiassem mutuamente em busca do benefício comum. Fazer o básico: num dia sem competição, ir ao parque aquático, sentar na arquibancada reservada aos atletas e torcer pelo colega que está na piscina.

A cena tem se repetido em Budapeste. Foi assim na final do revezamento 4x100m livre e na medalha de prata obtida por Nicholas Santos nos 50m borboleta. João Gomes Jr, por exemplo, estava na torcida por Nicholas na segunda e deverá receber o apoio de volta nesta quarta-feira, quando nadará a final dos 50m peito. O próprio Nicholas, aos 37 anos, aliás, foi escolhido pelos colegas para ser o capitão da equipe, algo que seleções como a americana têm faz tempo e o Brasil nunca havia levado a sério a ideia de ter.

A mudança de comportamento não está atrelada a qualquer mudança de personagens. A seleção brasileira tem basicamente os mesmos membros de quando o Brasil tinha um apunhado de atletas. Estão em Budapeste Cesar Cielo, Bruno Fratus, Etiene Medeiros, Joanna Maranhão, Leonardo de Deus, Felipe Lima, Guilherme Guido… O cenário, porém, mudou bastante.

"Depois de tudo que aconteceu com a CBDA os atletas se mobilizaram bastante para começar essa mudança. A gente está bem mais unido, está bem mais feliz. A gente está vendo uma luz", diz Leonardo de Deus, eleito representante dos atletas dos esportes aquáticos para a eleição presidencial realizada em junho. "A gente tinha que começar a mudar, tinha que começar a ser um time. A volta do Cesão muda bastante coisa. A gente está mais focado, a gente tem a estrela no nosso time, isso somou bastante", completa.

Claro, não foi só a volta de Cesar Cielo que alterou a dinâmica entre os atletas, até porque o campeão olímpico não tinha um histórico de ser um atleta que pensa primeiro no grupo – ele não nadava um revezamento em Mundial desde 2009. Há outros fatores, entre eles o fracasso do Brasil na Olimpíada do Rio.

"Por ter saído da Olimpíada derrotado, vendo em risco a confederação, isso pode ter causado um senso mais de equipe, de que era necessário que as pessoas se unissem. Parece que tudo convergiu para esse momento", opina Ricardo Prado, coordenador de esportes da CBDA. A pergunta que ele faz é a que mais intriga: "A gente fica pensando: 'Por que a gente não fez isso antes, todo mundo lutando pela mesma coisa?"'.

De qualquer forma, são águas passadas. O resultado ruim da Rio-2016, por exemplo, não pode ser revertido. Agora é pensar daqui para frente. "Venho conversando bastante com o Miguel (Cagnoni, presidente da CBDA) para a gente começar a implementar algumas coisas. Ter um head coach da seleção, uma cartilha de comportamento, de conduta. A gente está trocando energia. Antes era cada um cuidando do seu. A gente precisa ter cumprir algumas exigências, mas são exigências que fazem bem. Se a gente quer ser campeão a gente tem que primeiro agir. Vamos imitar os EUA. os caras fazem direito, vamos fazer igual", cobra Cesar Cielo.

Unida, a equipe brasileira tem se saído bem no Mundial até aqui. O revezamento 4x100m livre e Nicholas Santos ganharam prata, João Gomes Jr e Felipe Lima estão na final dos 50m peito e Guilherme Guido fez sua primeira final em Mundiais, com sétimo lugar nos 100m costas. Além disso, Joanna Maranhão bateu o recorde sul-americano dos 200m medley, prova na qual foi 10.ª colocada.

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.