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Olhar Olímpico

'Gêmeas do nado' ganharam fama há 10 anos e trocaram planos por paixão pela TV

Demétrio Vecchioli

18/07/2017 04h00

(divulgação)

Os Jogos Pan-Americanos de 2007 nem haviam começado, mas a imprensa brasileira já havia corrido para eleger a "musa" da competição. Quer dizer, as musas: as gêmeas Bia e Branca Feres, então com 19 anos, da equipe que viria a ganhar o bronze por conjunto no nado sincronizado. Dez anos depois, as "gêmeas do nado" dão a carreira esportiva de alto rendimento por encerrada e aproveitam os rumos que a vida tomou a partir dali. O sonho de estudar nos Estados Unidos e fazer circo não se concretizou, mas em troca elas ganharam uma nova paixão: a TV.

"O Pan foi um divisor de água. Foi quando a gente começou a entrar em evidência e a ajudar o esporte a crescer. A gente foi eleita musa de uma competição no Rio. Na verdade a gente não entendia muito o que estava acontecendo, tínhamos só 19 anos. A gente achou que fosse uma coisa que fosse acabar, mas o pessoal foi gostando da gente", comenta Branca.

Antes do Pan, as duas já eram relativamente conhecidas. Haviam sido duas vezes campeãs sul-americanas e participado de duas edições do Mundial de Esportes Aquáticos, em Montreal (2005) e Melbourne (2007). Não que, na era pré-Pan do esporte brasileiro, isso bastasse para tornar duas atletas de nado sincronizado conhecidas do grande público. Mas a mídia e os patrocinadores já estavam de olho em Bia e Branca. Ainda que nunca tenham sido um "dueto" representando o Brasil, sempre foram tratadas assim.

Nesta reportagem de antes do Pan, por exemplo, o UOL contava que as duas chegavam ao Pan como garotas propaganda de uma marca de eletrodomésticos. À época, a chefe de equipe do nado sincronizado, Mônica Rosas, já reclamava da superexposição da gêmeas, que competiram como titulares no Pan. "Elas fazem sucesso porque realmente são muito bonitas e chamam a atenção para o esporte, mas eu preferiria que elas chamassem a atenção pela eficiência, como era com a Bela e a Carol", afirmou à repórter Cláudia Andrade, fazendo referência às gêmeas Carolina e Isabela de Moraes, finalistas olímpicas em 2000 e 2004, e então recém-aposentadas.

Para Bia e Branca, porém, a atenção da mídia foi tanta que elas acabaram por se tornar apresentadoras de tevê, após serem selecionadas em um teste da MTV. "A carreira televisiva não foi uma coisa que a gente imaginou. Os planos eram fazer faculdade fora, nos Estados Unidos, e trabalhar no Cirque du Soleil. Como as coisas começaram a dar certo, a gente começou a se profissionalizar, ter patrocínio, ganhar dinheiro e ajudar família. Por isso a gente foi ficando", lembra Bia.

Não havia como não abraçar a oportunidade e o sonho de tentar uma bolsa universitária nos Estados Unidos foi superado. A carreira televisiva ganhou relevância e as duas chegaram a estudar (mas não concluir) artes cênicas no Rio. O esporte acabou ficando de lado.

"A gente nunca se arrependeu da decisão de se afastar da seleção. Isso foi em 2009. A gente ainda voltou em 2010, mas voltou a abandonar em 2011. A gente sabia que estava tendo oportunidades únicas. A gente não queria deixar de aproveitar o momento que a gente não sabia se ia ter de novo. A gente nunca deixou de competir um ano, ganhamos o US Open como dueto em 2011, estávamos sempre no pódio dos Campeonatos Brasileiros, mas deixamos de servir à seleção brasileira", relembra Branca, que, assim como a irmã, competia pelo Tijuca Tênis Clube.

O retorno ao alto rendimento aconteceu em 2014, cinco anos após a última participação em Mundial. Elas participaram de uma seletiva e, conforme contou a Folha à época, e foram convocadas para voltarem a representar o Brasil. "A participação no Rio fez valer a pena com certeza. A gente percebeu que com a Olimpíada em casa, não ia dar para assistir de longe. A gente se preparou muito, treinou muito para conquistar nossa vaga. Foram longos anos esses últimos três", diz Branca.

Por ser dono da casa, o Brasil teve direito a uma inédita vaga no conjunto no Rio-2016. Além de Bia e Branca, a equipe contou com o retorno de Lara Teixeira, Pâmela Nogueira e Lorena Molinos, todas da mesma geração. A equipe terminou num esperado sexto lugar, à frente de Egito e Austrália, que conseguiram vaga pelas cotas regional da África e da Oceania. Praticamente o mesmo time fora quarto colocado no Pan de 2015, um resultado péssimo para quem tradicionalmente é a terceira força do continente.

Reprodução/Instagram

Aposentadoria – Aos 29 anos, com um programa na FOX Sports, as gêmeas não se veem mais competindo em alto rendimento. O plano agora é se dedicar à carreira artística e só voltar a competir se for na categoria master. "Agora a gente tem outros planos, realizações pessoais. Nunca diga nunca, porque a gente ama o nado sincronizado, mas não mais profissionalmente. Talvez daqui uns anos, no máster. Eu me sinto muito realizada. O sonho era competir a Olimpíada em casa e a gente conseguiu. Sou muito feliz por isso", comenta Branca.

Ela e a irmã acreditam que tamanha visibilidade que tiveram abriu espaço para o nado sincronizado na grande imprensa. "As pessoas nem sabiam o que era. As pessoas hoje sabem o que é", argumenta.

O problema é que tamanha exposição não ajudou o esporte a evoluir em termos competitivos. O resultado do Pan de Toronto, pior do que o de 2003 ou de 2007, por exemplo, é prova disso. E o cenário não é animador. O Brasil nem levou seu conjunto para o Mundial de Budapeste, uma vez que diversas atletas pararam depois da Rio-2016 e os novos nomes inda não estão prontos para competir em alto nível.

"O nado é um esporte de tradição. Para você chegar em algum lugar tem que ficar muito tempo mostrando serviço. Só que no Brasil, depois do ciclo pan-americano, a equipe desmonta e tem que começar tudo de novo. As equipes que despontaram ficaram muitos anos treinando junto. Mas a gente sempre ficou nessa de as mais velhas pararem. Se a gente estivesse até hoje com a equipe de 2007, poderíamos ter conseguido resultados expressivos", avalia Branca.

 

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.