Após noivado na Rio-2016, casal símbolo da Olimpíada formaliza casamento
O primeiro sim aconteceu em agosto do ano passado, no gramado do Estádio de Deodoro, após a final do rúgbi nos Jogos Olímpicos do Rio. O segundo, na sexta-feira passada, quando Marjorie Enya e Isadora Cerullo oficialmente se casaram em uma cerimônia simples nos Estados Unidos, onde Izzy cresceu. Quase um ano depois do pedido de casamento público, que se tornou um dos grandes momentos da Rio-2016, as duas brasileiras seguem orgulhosas daquela demonstração de afeto representou.
"O pedido em si não foi uma estratégia para gerar repercussão, foi um momento genuíno de afeto. Muita gente também falou: 'Elas querem aparecer, não tem necessidade de fazer publicamente'. Eu concordo. Em algum momento vai ser desnecessário esse tipo de ação em público. Mas hoje ainda é o momento. A gente necessita de afirmação sobre muita coisa. Sobre mulheres em espaço público, sobre mulheres que são gays e são felizes", avalia Marjorie, que é historiadora e estava na Rio-2016 como gerente de serviços do estádio que recebeu as competições de rúgbi e pentatlo moderno na Olimpíada e de futebol de sete na Paraolimpíada.
Ela conheceu Isadora quando trabalhava como coordenadora da seleção feminina de rúgbi na confederação brasileira (CBRu). Izzy é filha de brasileiros, mas cresceu nos Estados Unidos, tendo estudado direitos humanos na Universidade de Columbia, uma das mais reconhecidas do mundo. Atleta de rúgbi, ela optou por jogar pela seleção verde e amarela e conheceu no Brasil aquela que agora é sua esposa.
O casamento aconteceu nos Estados Unidos por "questão de orçamento" e porque lá elas não tinham nenhum dos direitos de casais heterossexuais. "Se ela ficasse doente e precisasse ir ao hospital, eu não seria reconhecida como uma pessoa da família, por exemplo", argumenta Marjorie.
A ideia é, quando o orçamento permitir, fazer uma festa maior em São Paulo e, quem sabe, uma celebração para os amigos de Izzy nos EUA. Na sexta-feira passada, em um cartório em Raleigh, na Carolina do Norte, as noivas foram acompanhadas apenas da mãe de Marjorie e dos pais e de dois irmãos de Izzy, que está de férias após o encerramento da temporada internacional com a seleção brasileira feminina de rúgbi, que foi rebaixada na World Series. As duas moram juntas em São Paulo desde o fim da Olimpíada, mas planejam viver nos Estados Unidos em "algum momento" do futuro.
Repercussão – Acadêmicas e militantes da causa feminista e do movimento LGBT, Izzy e Marjorie já pensaram bastante sobre o que viveram na Rio-2016. "É da pouco da nossa forma de ser. Minha tese na universidade foi sobre a evolução da função da mulher na sociedade, de reprodutora até ser uma pessoa independente com direitos independentes. É interessante voltar a ter contato com esses assuntos, esses temas, através do esporte", diz Izzy.
"Sempre que você é pertencente a uma minoria, você vai encontrar num nicho uma forma de resistência da sua opinião. Cada pessoa que defende uma determinada opinião indiretamente é uma embaixadora daquela opinião. Quando mais embasamento você dá ao seu argumento, maior legitimidade as pessoas vão te dar", completa Marjorie.
As imagens do inesperado pedido de casamento feito por ela, quando o estádio já estava se esvaziando após a final olímpica, rodaram o mundo. Essa experiência acabou por torná-las embaixadoras da causa, convidadas a palestrar em diversos eventos, seja nos Estados Unidos (Izzy deu palestra na Universidade de Harvard, por exemplo) ou no Brasil, onde Marjorie participou de um evento sobre população LGBT no esporte.
"Depois dessa palestra, recebi mensagens muito positivas. Pessoas dizendo: 'Ouvindo sua história, mudei a forma de pensar diante das coisas'. Isso é importante, porque a gente nunca sabe quem é o próximo formador de opinião que está tendo contato com o que estamos dizendo", pontua Marjorie.
E o pedido público de casamento acabou colocando milhões de pessoas em todo mundo em contato com uma mensagem que elas consideram ser inspiradora. "Nós recebemos muitas mensagens, em nossas redes sociais particulares, de pessoas que endossaram essa nossa suspeita de que é muito necessário esse tipo de atitude. Pessoas de Israel, da Índia, da África, dizendo: 'Muito bonito o que vocês fizeram' e agradecendo, dizendo que precisavam ver isso. Pessoas que realmente pesquisaram, acharam a gente no Facebook para mandar duas sentenças só para nos agradecer", continua.
Elas refutam a ideia que tentou-se colocar à época de que o gesto era incentivo para que pessoas "saíssem do armário". "A gente nem poderia fazer isso. Em muito país, isso é inclusive crime. Não é sobre sair do armário, é sobre visibilidade, que é uma coisa muito diferente. É sobre representatividade e sobre a imagem visível de um casal de mulheres num momento muito feliz. Isso faz diferença para alguém que está passando pelo momento de se aceitar. Na minha adolescência foi difícil porque não tinha nenhuma imagem de alguma mulher gay bem sucedida, feliz, sendo tratada com respeito. Foi difícil lidar com essa falta de representatividade e ao mesmo tempo tentando entender tudo que eu tava sentindo e resolvendo dentro de mim", completa Izzy.
Tão importantes quanto as mensagens recebidas de pessoas do mundo todo foram as manifestações de entidades que até então estavam em cima do muro. "O Comitê Olímpico Internacional (COI) até então nunca havia se expressado a favor. Mas, em uma conferência de imprensa, eles foram perguntados e até nos parabenizaram pela nossa atitude. É importante esse posicionamento", comenta Marjorie. A CBRu e a federação internacional (World Rugby) postaram fotos nas redes sociais.
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