Topo

Olhar Olímpico

Há 10 anos, Pan de 2007 deixava 'Rio olímpico' como legado

Demétrio Vecchioli

13/07/2017 04h00

(Buda Mendes/Getty Images)00

Houve um tempo, não muitos anos atrás, em que acreditou-se que seria possível erguer um estádio no Brasil por R$ 75 milhões.  Nessa época, mais exatamente em fevereiro de 2003, considerava-se que com menos de R$ 1 bilhão o Rio de Janeiro construiria toda a estrutura para receber uma edição dos Jogos Pan-Americanos. Doce ilusão. O Rio-2007 saiu por R$ 3,23 bilhões na conta oficial e ficou para sempre marcado pelo aumento exponencial dos custos, algo que não se repetiria na mesma proporção com o Rio-2016. Nesse sentido, a lição foi aprendida. Em outras tantas, os erros se repetiram. Mas há um consenso, para o bem e para o mal: sem Rio-2007 não teria havido Rio-2016.

Para entender o Rio-2007, porém, é preciso voltar um pouco mais no tempo, até 1963. Naquele ano, São Paulo recebeu os Jogos Pan-Americanos e Porto Alegre foi sede da Universíade. Na capital paulista, com exceção da Vila Pan-Americana (hoje o Crusp), pouco foi construído. Assim como no Sul, foram utilizadas estruturas já existentes. Empresários e entidades doaram serviços e produtos. Muito pouco dinheiro público foi usado. Esse era o know-how brasileiro para fazer o Pan de 2007.

Depois, é necessária uma paradinha em 18 de abril de 2002, quando o Brasil, já candidato ao Pan de 2007, aceitou ser sede dos Jogos Sul-Americanos. Numa cartada corajosa, o presidente do Comitê Olímpico do Brasil (COB), Carlos Arthur Nuzman, abraçou um evento que começaria dali a 100 dias, descartado por Argentina e Colômbia semanas antes. Pará, São Paulo, Rio e Paraná cederem estruturas já existentes e o evento foi realizado com sucesso. Treze dias depois da cerimônia de encerramento, a ODEPA (Organização Desportiva Pan-Americana) dava ao Rio o direito de ser sede do Pan de 2007, com uma vitória de 30 a 21 sobre San Antonio, nos EUA, terra natal do então presidente George W. Bush. A vitória era tão improvável que só um repórter brasileiro esteve presente para cobrir o feito.

O dossiê de candidatura, feito a partir de estudo da FGV, previa que o Pan custasse US$ 186 milhões (R$ 761 milhões em valores reajustados). Na comparação com a campanha derrotada pela Olimpíada de 2004, havia uma mudança fundamental: o Rio desistia de emular Barcelona na Ilha do Fundão e apostava na exploração de grandes lotes na distante Barra da Tijuca.

O orçamento, entretanto, não contemplava, entre outros itens, a realização do Para-Pan e o revezamento da tocha. As estruturas previstas tinham nível "mediano", de acordo com relatório produzido pelo governo federal em 2008, e os custos com segurança não levavam em conta a nova preocupação mundial com terrorismo. O dossiê tinha uma única linha sobre segurança – o ODEPA não exigia mais do que isso.

Tudo mudou em 2004, quando o Rio foi eliminado do processo de escolha da sede dos Jogos Olímpicos de 2012 por causa de suas notas baixas na primeira rodada de avaliações. Ficou abaixo da média em experiência de eventos esportivos anteriores, infraestrutura geral, projeto geral e legado, segurança e instalações esportivas. "Se quisermos a candidatura olímpica, só temos um caminho, que é o equipamento de padrão olímpico", comentou, à época, o então prefeito do Rio, Cesar Maia.

Padrão Olímpico – A partir dali, os custos do Pan iriam disparar. Enquanto ainda sonhava com a Olimpíada de 2012, o Rio previa gastar R$ 18 milhões (R$ 41 milhões corrigidos) com o que hoje é a Jeunesse Arena (antiga HSBC Arena), R$ 21 milhões para reformar o Complexo do Maracanã (R$ 47 milhões corrigidos), R$ 51 milhões (R$ 114 milhões corrigidos) para construir os equipamentos esportivos de Deodoro e R$ 75 milhões (R$ 168 milhões) para erguer o Estádio Olímpico, hoje mais conhecido como Engenhão.

Noves fora as denúncias de corrupção, os valores eram, de fato, baixos demais para o que o Rio queria entregar. Basta olhar a previsão para o Engenhão, irrisória perto do que custaram a Arena do Grêmio e o Allianz Parque, ambos na casa de R$ 600 milhões. Só com Estádio Olímpico e Complexo do Maracanã (também Maracanãzinho e Julio Delamare), o Pan ficou R$ 545 milhões (R$ 1 bilhão corrigidos) mais caro.

Naquele momento, bom frisar, o Brasil já sabia que muito provavelmente receberia a Copa do Mundo de 2014. Mas não tinha ideia do padrão que precisava entregar à Fifa. Mesmo assim, os dois estádios de futebol utilizados no Pan custaram R$ 643 milhões (R$ 949 milhões corrigidos), mais da metade do valor total gasto com estruturas esportivas.

Legado – Tanto quanto a Copa, o Brasil queria a Olimpíada. E, para chegar lá, precisava construir toda uma infra-estrutura esportiva. Pensando 13 anos adiante, em 2016, só tinha para oferecer estrutura para eventos relativamente abertos, em Copacabana (triatlo, maratona aquática), na Lagoa Rodrigo de Freitas (remo e canoagem) e na Marina da Glória (vela), além das provas de rua. Estruturas físicas, só os ultrapassados Maracanãzinho e o Julio Delamare, que seriam reformados para o Pan.

Partindo do zero, o Rio encontrou três soluções para o Pan. E todas se mostraram essenciais para a Olimpíada. A primeira delas, a polêmica escolha por Jacarepaguá, onde foram construídas a Vila Pan-Americana (cujos apartamentos foram vendidos e ocupados depois do Pan), a então Arena Multiuso (hoje Jeunesse Arena) e o Parque Aquático Maria Lenk, que já foi construído sabendo-se que não poderia receber as provas de natação da Olimpíada, apenas das demais modalidades aquáticas.

Se a ideia de utilizar a Ilha do Fundão nunca agradou ao COI, a nova proposta foi como uma flecha no coração do comitê olímpico: estruturas próximas umas das outras, e poucas áreas de entrada e saída, facilitando controle de segurança. Azar do autódromo de Jacarepaguá, que fechou as portas.

Ali perto, o Riocentro foi adaptado, por R$ 83 milhões, para receber competições de boxe, levantamento de peso, esgrima, ginástica rítmica, ginástica de trampolim, futsal, levantamento de peso, handebol, judô, luta, tae kwon do, badminton e tênis de mesa.  A experiência deu certo e, no Rio-2016, quatro modalidades voltaram para lá. As demais ocuparam a Jeunesse Arena e as novas Arenas Cariocas 2 e 3.

Já a área militar de Deodoro foi equipada com equipamentos de pentatlo moderno, hipismo, tiro esportivo, hóquei sobre a grama e tiro com arco. Com exceção desta última, disputada no Sambódromo, todas as demais voltaram às suas casas na Rio-2016. E foi exatamente apostando na reutilização de equipamentos do Pan que o Rio ganhou, em 2009, o direito de sediar a Olimpíada de 2016.

Demandas diferentes – Comparado com a Rio-2016, o Pan de 2007 pode ser considerado uma pechincha para os cofres públicos. Todas as instalações do Pan que não as ligadas ao futebol (Engenhão e Complexo do Maracanã) custaram juntas R$ 557 milhões (R$ 1,01 bilhão corrigidos), valor equivalente aos R$ 951 milhões gastos só com a reforma e ampliação do Complexo de Deodoro para a Olimpíada e bem inferior aos R$ 1,6 bilhão investidos pelos governos federal e municipal no Parque Olímpico da Barra (outro R$ 1,1 bilhão saiu da iniciativa privada).

Mas é o Parque de Deodoro o melhor exemplo. Depois de custar R$ 167 milhões (R$ 302 milhões corrigidos) para o Pan, o complexo passou por obras que consumiram R$ 951 milhões, dos quais R$ 170 milhões só para a reforma do Centro de Hipismo, que, de 4.500 lugares, passou a ter 14 mil, ganhando um novo centro veterinário.

Os demais gastos nunca foram especificados equipamento por equipamento, mas a conta foi justificada pela construção de quatros novas instalações: a pista de BMX, o canal de canoagem slalom, o estádio de rúgbi (essas disputas não estavam no programa do Pan) e a Arena da Juventude.

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.