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Ex-número 2 do Esporte, Luiz Lima explica saída: 'Não me acostumei ao ritmo da política'

Demétrio Vecchioli

02/07/2017 04h00

Luiz Lima com Cesar Cielo e Gustavo Borges

Como tantos outros esportistas que tentaram fazer a diferença a partir de cargos políticos, Luiz Lima deixou o Ministério do Esporte com a sensação de que foi engolido pelo sistema. Secretário de Alto Rendimento e responsável direto pela relação com confederações e comitês, ele pediu demissão na sexta-feira e deixou o cargo com a sensação que não trabalhava no mesmo ritmo que o comando do ministério.

"Como atleta, a gente que não está acostumado a viver a política brasileira. A gente não está acostumado com o tempo que leva a política brasileira, até a gente implantar o que a gente quer mudar realmente. Isso veio me agoniando", contou ao Olhar Olímpico, numa conversa de quase 1 hora pelo telefone. "É questão de incompatibilidade. Você como jornalista, às vezes você quer escrever uma coisa e seu chefe quer que você escreva outra", exemplificou.

O nadador (campeão da Copa Brasil de Maratonas Aquáticas no fim de semana passado) de 39 anos evitou dar exemplos concretos dessa incompatibilidade, mas não deixou de citar a situação que mais causou desconforto e que acabou sendo determinante para sua saída.

Luiz Lima defendia uma mudança na divisão das verbas da Lei Agnelo/Piva, com redução dos recursos controlados pelo Comitê Olímpico do Brasil (COB) e aumento do total repassado diretamente às confederações. Ele expressou essa opinião pessoal em uma reunião com parlamentares na qual havia sido convidado como porta-voz do Ministério do Esporte, que não concorda (ao menos não publicamente) com a ideia.

"Para não atrapalhar o ritmo do ministério, respeitando a instituição, eu preferi me retirar. Minha vontade estava acima da velocidade da condução do próprio ministério. Foi querer mudar, me antecipar, mas via que cada dia no ministério era um dia a menos no ministério", desabafou.

Campeão dos 400m livre nos Jogos Pan-Americanos de 1999, ex-recordista brasileiro em diversas provas de fundo da natação, um dos precursores da natação em águas abertas no país, educador físico e treinador da equipe Gladiadores, no Rio, Luiz Lima nunca havia tido um emprego formal. Leonardo Picciani (PMDB-RJ) foi, portanto, seu primeiro chefe. "Ele sempre me tratou com muito respeito. Quando entreguei minha carta de demissão, perguntou se era isso mesmo que eu queria."

Luiz Lima chegou ao ministério em 3 de junho do ano passado e ficou na secretaria de alto rendimento durante 13 vezes de vacas magríssimas. Se nos anos anteriores a pasta distribuiu rios de dinheiro às confederações por meio de convênios e de intermediação de patrocínios com empresas estatais, durante a gestão de Luiz Lima o ministério quase não repassou recursos às confederações. A única a ser agraciada foi a de surfe, que levou equipe para os Jogos Mundiais de Surfe.

"O ministério teve um corte de recursos muito grande e a gente teve que priorizar os Parques Olímpicos da Barra e de Deodoro e o Bolsa Atleta. Os nossos recursos praticamente secaram. Isso é claro que incomoda. Quando você vê projetos bem elaborados, vê locais que estão precisando e a gente não tem recurso, isso mexe com a gente", admite.

De acordo com ele, a solução encontrada foi se dedicar mais à política pública esportiva. "Fui o primeiro secretário do Esporte a ir ao Ministério da Educação para falar com o ministro, com o secretário de educação básica. Pude participar, com a equipe do ministério, da criação do primeiro clube indígena do país. Quando a gente não tem dinheiro, a gente bota a cabeça para funcionar."

Conversar com Luiz Lima – e essa é uma opinião pessoal deste blogueiro – é ouvir como um mantra a ideia de que o esporte não se faz sem escola. "O Ministério do Esporte só vai ganhar sentido se tiver esporte na escola. Então essa era minha bandeira. Eu não saio frustrado. Saio com a sensação de que fiz as reivindicações certas, na hora certa. Tomara que tenha sido feitas pelas pessoas certas."

Futuro – A decisão de se demitir foi tomada na quinta-feira mesmo. Pela manhã, Luiz Lima participou de uma frustrante reunião, na qual afirma que não ouve discussões ásperas, foi almoçar para esfriar a cabeça e voltou com a decisão de se demitir. A notícia foi publicada na madrugada de sexta-feira pelo Blog do Juca e confirmada pela manhã tanto pelo Ministério do Esporte quanto pelo ex-secretário.

Após uma noite em claro, Luiz Lima só foi descansar no início da tarde de sexta-feira. Atendeu o Olhar Olímpico já no fim da noite, sem saber que Guilherme Costa havia batido mais uma vez o recorde sul-americano dos 1.500m livre, que foram seus por 11 anos.

"O Guilherme treina aqui também, no Marina Tênis Clube, onde minha filha treina. Ele tem uma constância nos treinos, é extremamente dedicado. Tem um treinador muito arrojado, é bom de cabeça. O Guilherme vai se tornar o primeiro brasileiro a quebrar a barreira dos 15 minutos (o recorde de ontem foi 15min02s). Em 1998, quando eu fui o sexto do mundo, melhor posição de um Mundial em piscina longa na prova, eu tinha 15min17s", lembrou.

Neste sábado pela manhã, Luiz já treinaria seus mais de 80 pupilos na águas de Copacabana. Agora ele deve voltar a se dedicar ao Gladiadores e à vida de treinador. Enquanto isso, o Ministério do Esporte perde alguém que, ao listar suas ações na pasta, se emociona ao listar o pedido para que o medalhista olímpico Edvaldo Valério coordenasse o centro de treinamento da piscina olímpica que será instalada em Salvador. "Foi o único pedido que eu fiz. Isso não tem preço. Esse foi o maior presente que o cargo me deu."

 

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.