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Olhar Olímpico

Dois anos após medalha, seleção de polo é recusada por atletas e volta a nível amador

Demétrio Vecchioli

28/06/2017 04h00

Laszlo Balogh/Reuters

Há exatos dois anos, a seleção brasileira masculina de polo aquático ganhava a medalha de bronze na Liga Mundial, um feito impensável até pouco tempo antes. O que poderia ser o início de uma história gloriosa para a modalidade, porém, acabou sendo só um ponto fora da curva mesmo. Após a Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos (CBDA) deixar de pagar uma ajuda de custo mensal aos atletas, pelo menos 20 deles recusaram a convocação do técnico Ângelo Coelho. E a consequência disso é que o Brasil voltou no tempo e vai ao Mundial de Budapeste com uma equipe que o próprio treinador admite ser fraca, repleta de atletas amadores.

Sem jogar uma Olimpíada no polo desde 1984 e com vaga no Rio-2016 por ser dono da casa, a CBDA decidiu apostar na modalidade a partir de 2013, quando contratou o técnico croata Ratko Rudic, considerado o melhor do mundo, repatriou o "espanhol" Felipe Perrone, naturalizou o sérvio Slobodan Soro e o croata Josip Vrlic (todos com salário cima de R$ 20 mil) e passou a convocar o espanhol Adria Delgado, filho de pai brasileiro. Com eles, e pagando uma ajuda de custo mensal aos demais jogadores da seleção, o Brasil chegou ao Rio-2016 como candidato à medalha, sendo eliminado nas quartas de final.

Passada a Olimpíada, acabou o dinheiro. Rudic foi embora e, no seu lugar, ficou o veterano Ângelo Coelho, assistente técnico no Rio. Em janeiro, ao procurar os atletas para convocá-los para o Campeonato Pan-Americano, ouviu uma sequência de "nãos".  "Esses jogadores vieram de uma etapa em que eles largaram tudo para jogar polo e recebiam para jogar polo. Agora, eles têm que voltar para a vida deles. Os clubes não pagam muito. Eu entendo o lado deles", afirma Ângelo.

Na opinião dele, quatro jogadores seriam fundamentais para a seleção. Mas, desses, três não pretendem mais jogar pelo Brasil. Felipe Perrone está perto de voltar a defender a Espanha, assim como Adria, que hoje já é considerado um dos melhores do mundo. O outro é Vrlic, que, depois de jogar bem pelo Brasil, finalmente despertou a atenção da seleção croata.

A exceção é o goleiro Slobodan Soro, que jogou três Olimpíadas pela Sérvia e que defendeu o Botafogo até a semana passada. Aos 38 anos, ele "sobra" como melhor goleiro do país, vai ao Mundial, mas quer sentar com a CBDA na volta de Budapeste para saber como será o "projeto" para Tóquio. "Ele está sem receber da CBDA desde setembro e já acertou com um clube da Itália para a próxima temporada", avisa Ângelo, que também é técnico do goleiro no Botafogo.

Além de Soro, apenas outros três jogadores que estavam na seleção em 2016 aceitaram continuar a jogar com a seleção: Grummy (Pinheiros), Gustavo Coutinho (Paulistano) e Bernardo Reis (Sesi). "Só esses quatro toparam jogar sem receber nada", diz o treinador, que ainda ouviu recusas de jovens como Bernardo Gomes e Rafa Vergara. Outros atletas, como o goleiro Bin Laden, o central Charuto e o cubano Ives, deixaram de lado o polo aquático para cuidarem de suas vidas pessoais.

Com tantos problemas, a equipe que vai para o Mundial é formada por atletas que até o ano passado não eram cotados para jogar pela seleção, como Ricardo Guimarães (25 anos), Heitor Carrulo (28), Guilherme Almeida (27) e Anderson Cruz (25). Além deles, ganharam chances os jovens Leonardo Silva (20), Roberto Freitas (20), Luis Ricardo (19) e Pedro Stellet (20), todos da nova geração.

"Eu estou numa situação muito difícil. Até poderia trocar dois ou três por outros dois ou três que estão aqui, mas isso faz diferença zero. O Rudá (do Sesi), por exemplo, eu não levei ele para Trinidad & Tobago (no Pan) por opção minha, mas agora ele poderia me ajudar, depois de tantas recusas. Mas ele também não ia resolver minha vida nesse momento. Não é culpa de ninguém. Não dá nem para eu reclamar", diz Ângelo.

Faltando duas semanas para o início do Mundial, o técnico nem sabe se a equipe poderá treinar junta no Brasil antes de viajar. "É um time fraco, que não fez um treino conjunto até hoje. É uma situação muito difícil", admite o treinador, que não sabe se fica para o ano que vem. No Mundial, o Brasil joga na primeira fase contra Cazaquistão, Canadá e Montenegro. Se vencer um dos jogos (deve fazer duelos parelhos contra os dois primeiros) , irá para a próxima fase.

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.