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Olhar Olímpico

Esgrimistas têm que pagar do próprio bolso para disputar Pan e Mundial

Demétrio Vecchioli

27/06/2017 04h00

Após colocar dois atletas nas quartas de final dos Jogos Olímpicos do Rio, a esgrima brasileira voltou à época de vacas magras. Com o fim do patrocínio da Petrobras, a Confederação Brasileira de Esgrima (CBE) tem apenas os R$ 2,2 milhões da Lei Agnelo/Piva para sobreviver em 2017. Em um esporte em que uma delegação para um evento internacional é formada por 24 atletas, são eles os que mais sofrem.

No fim de semana retrasado, por exemplo, aconteceu em Montreal, no Canadá, o Campeonato Pan-Americano. E, com o cofre vazio, a CBE só pagou todas as despesas de dois atletas: Guilherme Toldo e  Nathalie Moellhausen, ambos Top 8 dos Jogos do Rio. Além disso, bancou as viagens aéreas de outros oito esgrimistas. Os demais, se quisessem disputar o Pan, teriam que pagar tudo do próprio bolso.

Maior promessa da esgrima brasileira, Alexandre Camargo, de 18 anos, ficou no meio termo. A CBE pagou as passagens, mas não hospedagem e alimentação. "Na minha arma (espada) foram os dois primeiros do ranking, eu e o Athos Schwantes. O terceiro, que é o Nicholas Ferreira, não foi porque não tinha como pagar a viagem", conta Alexandre, um dos que recebem uma bolsa mensal de R$ 1,5 mil da confederação.

De resto, a CBE aceitou inscrever no Mundial os melhor do ranking nacional que se dispuseram a pagar todas as despesas. Assim, o time de florete acabou sendo inteiro formado por colegas de Alexandre e Athos na academia Mestre Kato, de Curitiba. E, para conseguirem pagar as contas, eles tiveram que alugar uma casa pelo site Airbnb, aproveitando para fazer a própria comida.

"Assim a gente conseguia cozinhar e podia pagar menos na parte de alimentação. No hotel da competição a gente teria que comprar a refeição e ficaria caro", conta. No sabre, os atletas das equipes masculina e feminina também apelaram para o Airbnb.

Perde a esgrima – Apesar das dificuldades e da pouca idade, Alexandre conquistou uma importante medalha de bronze na competição individual, algo que, além dele, só Nathalie Moellhausen conseguiu. Só que agora, a temporada internacional terminou para ele. Afinal, o 55º colocado do ranking mundial não tem dinheiro para viajar para o Mundial, na Alemanha.

"Como já fiz muita coisa esse ano, fui treinar fora, já gastei muito dinheiro nesse ano. Aí não tenho dinheiro para pagar a viagem", lamenta Alexandre, que é o segundo do ranking nacional. A CBE só vai pagar as passagens (e não demais custos) para o primeiro, Athos. Bia Bulcão também viajará com passagens pagas, enquanto Nathalie e Guilherme terão tudo pago. Os demais não terão apoio nenhum.

Mesmo assim, Alexandre ainda é dos que menos tem motivos para reclamar. Em abril, a CBE apostou num bom resultado no Mundial Juvenil, disputado na Bulgária, e levou não apenas como também seu mestre (técnico) para a competição, com tudo pago. "Eu acabei beneficiado, junto com a Gabriela Cecchini, que também viajou, mas sinto que poderia ter sido diferente. O hotel não era dos mais baratos e colocaram eu sozinho em um quarto e meu técnico sozinho em outro. Eu poderia dividir com mais gente", afirma. Os outros brasileiros que viajaram foram por conta e tiveram que arcar com todos os gastos.

A consequência desse cenário, Alexandre acredita, será vista a longo prazo. Com os brasileiros competindo cada vez menos internacionalmente, a tendência é o nível das competições piorar no país, prejudicando a formação de novos atletas. "A gente fica dependente de ir para a Europa, porque os atletas mais fortes estão na Europa. Se tiver quatro atletas jogando bem no Brasil, a gente pode ficar aqui mesmo para crescer. Se depender sempre de viajar, não vai dar conta", opina.

Confederação – Eleito em março como oposição ao ex-presidente Gerli dos Santos, de quem era vice e braço direito, Ricardo Machado é o presidente responsável por comandar a CBE nessa fase de vacas após cinco anos com a Petrobras levando atletas brasileiros para competir em todos os cantos do mundo.

"Não temos orçamento. Perdemos 50% de nossos recursos. Vivemos  quase que exclusivamente dos recursos da Lei Agnelo/Piva, que é absolutamente insuficiente para custear as despesas que a confederação possui. Temos 10 competições nacionais para realizar e isso consome muitos recursos, além de todos o custo administrativo. Não temos como custear uma delegação completa, como fazíamos antes", admite.

Ele reconhece que, investindo integralmente apenas nos dois melhores do país, a confederação atrapalha o caminho de quem está crescendo. "É horrível essa situação de convivermos com cobertor curto. Não posso deixar de apoiar esses atletas que dão resultado", afirma, admitindo que, com isso, prejudica os mais jovens e promissores, como Alexandre. O presidente da CBE, porém, diz que está em busca de recursos de Lei de Incentivo, que serão diretamente investidos na preparação de quatro ou cinco garotos até 2020.

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.