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Olhar Olímpico

Brasil reduz controle antidoping, descumpre código e monitora só 10% dos olímpicos

Demétrio Vecchioli

23/06/2017 04h00

O Brasil deu um grande passo atrás no controle antidoping. Publicada no site da Autoridade Brasileira de Controle de Dopagem (ABCD), a lista de atletas que fazem parte do Grupo Alvo de Testes tem apenas 117 nomes. Isso equivale à metade dos 239 atletas que o governo federal considera que brigam para subir ao pódio nos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de Tóquio em modalidades individuais e que são beneficiários do Bolsa Pódio.

Há dois anos, quando a ABCD começou a realizar o controle fora de competição, eram 200 atletas controlados. Agora, porém, apenas cerca de 10% dos brasileiros que competiram nos Jogos Olímpicos do Rio precisam informar seu paradeiro, correndo o risco de serem submetidos a exames surpresa. Para piorar, muitos deles (no mínimo 39) estão na lista da ABCD, descumprindo o que manda o Código Brasileiro Antidoping.

Em 26 de junho do ano passado, o Grupo Alvo tinha 278 nomes. Um ano depois, a lista foi reduzida, no mínimo, pela metade, uma vez que a ABCD alega que o grupo agora tem 140 nomes, diferente do que aparece em área específica do site da ABCD – segundo o Ministério do Esporte, o site será atualizado "nos próximos dias". Os integrantes do Grupo Alvo precisam preencher um sistema online da Wada, o ADAMS, informando seu paradeiro diário, podendo receber visita dos coletores a qualquer momento e em qualquer lugar.

"Para um país dimensão do Brasil, isso é ridículo. Quando tínhamos quase 300 exames, a Wada tinha algumas críticas em relação a isso, achava que era pouco. À época, dissemos que só temos esse numero diminuto porque estamos focando nossa intervenção em quem pode ganhar medalha. Restringimos muito para poder fazer muitos exames. O que era de se esperar é que o grupo alvo pudesse aumentar", comenta Luis Horta, especialista português que implantou esse tipo de controle antidoping no Brasil, não renovou seu contrato em julho do ano passado e, hoje, atua como consultor da própria Wada.

A ABCD contesta as críticas dele e diz que, na antiga gestão, que tinha Marco Aurélio Klein como chefe do controle antidopagem no país, a lista de atletas era grande, mas a maioria deles não passava pelo mínimo recomendável de quatro exames surpresa por ano. Em resposta enviada ao blog nesta manhã, Horta afirmou que na verdade o mínimo é de três e, em junho do ano passado, maioria dos atletas (67,2%) do GAT haviam sido testados pelo menos duas vezes. Mais de 30% já tinham sido testados pelo menos 3 vezes.

Já a ABCD afirma que, para 2017, a meta é fazer 600 exames surpresa em 150 atletas. Para a nova gestão da ABCD, liderada por Rogério Sampaio, é melhor ter um Grupo Alvo de Testes menor, com todos os atletas sendo testados regularmente.

A lista disponível no site da ABCD tem 117 nomes, dos quais 47 são atletas paralímpicos. Dos 70 que sobram, 14 não foram aos Jogos Olímpicos do Rio, sendo que alguns passam longe de serem potenciais medalhistas em Tóquio, como é o caso de Fabiana Cristiane da Silva, atleta que desde 2011 não tem resultados relevantes no atletismo de pista. Enquanto isso, Thiago André e Daniel Nascimento, jovens que têm registrado grandes marcas nas provas de fundo, não são acompanhados de perto.

No levantamento de peso, modalidade na qual o doping tem sido mais recorrente nos Jogos Olímpicos, só há dois brasileiros no Grupo Alvo. Na natação, onde o Brasil é um dos campeões de doping (foram 16 casos em seis anos), só há quatro atletas monitorados.

Pelo Código Mundial Antidoping, o Grupo Alvo da agência nacional (no caso do Brasil, a ABCD) deve ser complementar à da federação internacional (IAAF, Fina, Aiba). Mas também não é isso que se vê. Mesmo sem ter conseguido acesso à lista de algumas federações internacionais, o Olhar Olímpico identificou um total de 39 sobreposições.

No atletismo, por exemplo, dos 13 nomes da lista da ABCD, 12 aparecem também entre os 20 da lista atualizada da IAAF. Pelas regras internacionais, é a IAAF quem decide quando e onde esses atletas serão testados e também quem os julgará em caso de resultado analítico adverso. No ciclismo, são sete casos de sobreposição. Campeões olímpicos como Arthur Zanetti e Rafaela Silva também aparecem em ambas as listas.

Questionado, o Ministério do Esporte disse que "a lista é dinâmica e sofre alterações de acordo com informações de inteligência e ou solicitações de custódia por parte das federações internacionais ou da própria ABCD", alegando que a coincidência no caso do atletismo acontece porque a listagem não está atualizada no site da ABCD. A lista da IAAF é a mesma desde março, porém, e mesmo assim 12 atletas do atletismo foram incluídos no Grupo Alvo de Testes da ABCD em abril.

Ainda de acordo com o Ministério do Esporte, o Plano de Distribuição de Testes e o Grupo Alvo de Testes para 2017 foram aprovados pela Wada e são "adequados" para o início do ciclo olímpico.

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.