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Olhar Olímpico

CBDA chega a eleição na corda bamba entre Justiça e Federação Internacional

Demétrio Vecchioli

09/06/2017 05h00

A Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos (CBDA) escolhe um novo presidente nesta sexta-feira, no Rio, para encerrar uma dinastia de quase 30 anos de Coaracy Nunes se reelegendo seguidamente. Um dia antes do pleito, adiado por três meses, a Federação Internacional de Natação (Fina) finalmente se pronunciou sobre o caso e afirmou, em e-mail enviado ao interventor Gustavo Licks, que não vai reconhecer o resultado da eleição. O e-mail foi divulgado em primeira mão pela agência de notícias Lancepress! e publicado também pelo UOL.

Comandada por um interventor judicial há dois meses e meio, a CBDA também recebeu a comunicação da Fina e agora se vê numa corda bamba. Afinal, seu processo eleitoral, todo ele definido com base na Lei Pelé, cumpre a legislação brasileira e foi moldado pela Justiça. Só que a Fina, como outras federações esportivas internacionais, não aceita interferências externas nas confederações nacionais, e resolveu não aceitar a eleição. Ao mesmo tempo que depende de se adequar à Justiça brasileira para existir e receber verbas públicas, a CBDA depende da Fina para que os atletas compitam internacionalmente. Só que cada esses lados falam línguas diferentes.

Ao interventor, a Fina disse que "não reconhecerá as eleições na CBDA, uma vez que elas não são realizadas de acordo com o Estatuto da CBDA e as regras da Fina". De acordo com a reportagem da Lancepress!, a entidade baseou sua decisão em dois artigos de seus estatutos. Um que afirma que os membros (como a CBDA) devem gerenciar seus assuntos de forma independente e não ser influenciados por terceiros. Outro, que determina que um membro pode ser suspenso se tiver sua autonomia comprometida ou sofra qualquer interferência de órgão governamental.

No caminho até a eleição desta sexta-feira, a CBDA primeiro viu seu então presidente, Coaracy Nunes, escolher ele mesmo os membros do comitê de atletas. A nadadora Joanna Maranhão entrou na Justiça e conseguiu que o comitê fosse formado por eleição direta. A mesma decisão determinou que a eleição presidencial da CBDA não ocorresse até o comitê ser montado.

Com mandato vencido, Coaracy foi afastado do cargo pela juíza Titular da 25ª Vara Cível do Rio de Janeiro, Simone Gastesi Chevrand, que indicou Gustavo Licks como interventor. Foi também ela que alterou o colégio eleitoral da CBDA, dando aos clubes o direito de votar. A Federação de Santa Catarina e o candidato Cyro Delgado entraram na Justiça contestando essa decisão (uma queria tirar esse direito, outro queria ampliar o direito dos atletas), mas perderam a causa.

Há um mês, o Blog do Coach, do GloboEsporte.com, já levantava a possibilidade de a eleição não ser reconhecida pela Fina. À época, Licks disse ao colega Alex Pussieldi: "É mais  um preocupação que temos, mas acreditamos que a Fina irá considerar que estamos trabalhando de forma séria, isenta, sem viés e em prol do esporte".

Desde então, não se falou mais sobre o assunto. Ontem, o Olhar Olímpico chegou a publicar uma entrevista com Licks antes de o interventor receber o e-mail da Fina avisando que o resultado da eleição não seria aceito. A entidade, porém, não detalhou as razões nem as consequências disso.

"Essa ideia de que não está sendo respeitado o estatuto (da CBDA) não é bem assim. O estatuto não respeita a lei e eu estou aqui porque o estatuto não respeita a lei. A gente não pode fazer uma eleição ilegal. Ninguém aqui vai querer fazer uma eleição ilegal", comentou Licks, ontem, no Rio, em entrevista coletiva. Antes, os três candidatos à presidência haviam dado declarações afirmando que queriam que a eleição fosse mantida para hoje.

Licks reforçou que não poderia chegar na CBDA e fazer "o que bem entendesse". "Se eu não posso tirar da minha cabeça os critérios, ainda que sejam critérios justos, preciso buscar os critérios em algum lugar e eu busquei os critérios na lei. Não sou eu que diz se está respeitando a lei é o juiz. E ele diz que respeita. O que vale é o que Justiça diz", afirmou.

Eleições – São três candidatos à presidência da CBDA. O grande favorito é Miguel Cagnoni, que há pelo menos dois anos vem se apresentando como o candidato da oposição. Defendendo a renovação na CBDA, ele comanda a Federação Aquática Paulista há 22 anos. Ele tem o apoio formal da grande maioria dos atletas de expressão do país e dos clubes paulistas, que são maioria num colégio eleitoral que tem 82 clubes.

Ao permitir que todos os clubes que participaram de campeonatos brasileiros em 2016 tenham direito a voto, a CBDA admitiu que clubes irrelevantes no esporte de alto rendimento, como o Grêmio União Sanroquense, tenham o mesmo peso na eleição que clubes campeões nacionais em mais de uma categoria, como o Pinheiros. Já a Unisanta, que tem em seus quadros a única medalhista dos esportes aquáticos no Rio-2016, Poliana Okimoto, não poderá votar, por não ser formalmente constituída como clube. A universidade já avisou que não vai procurar a Justiça, para não causar mais problemas à natação.

Desafiam Cagnoni o medalhista de bronze do revezamento 4x200m dos Jogos de Moscou-1980 Cyro Delgado, que é ligado a Ricardo de Moura, um dos dirigentes presos em Bangu 8, e o árbitro Jefferson Borges, presidente da federação de Mato Grosso, que mal fez campanha. Leonardo de Deus será o representante dos atletas na votação.

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.