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Olhar Olímpico

Quatro pesos e quatro medidas: sem critério, Bolsa Pódio é loteria

Demétrio Vecchioli

31/05/2017 04h30

Reformulado neste novo ciclo olímpico, agora sem oferecer comissão multidisciplinar aos atletas com chances de medalha nos Jogos Olímpicos, o Bolsa Pódio segue sem critérios claros. E isso ficou evidente com a divulgação da primeira lista de aprovados, a partir dos resultados obtidos no ano passado. Em muitos casos, a coerência passou longe.

Pelo edital lançado em dezembro, para ter acesso ao benefício o atleta precisa estar entre os 20 melhores do mundo em sua prova. Cabe à confederação indicar o nome, que passa pelo crivo de uma comissão formada pela confederação, o Comitê Olímpico do Brasil (que raramente veta alguém) e pelo Ministério do Esporte. Depois, o atleta deve enviar plano esportivo e documentação. Só que essa análise "técnica" tem se mostrado uma grande loteria.

Os saltos ornamentais são responsáveis pelo exemplo mais didático dessa incoerência. Por convite, o Brasil teve o direito de participar das quatro provas sincronizadas (duplas) dos Jogos Olímpicos do Rio, ficando sempre no oitavo e último lugar. No ranking mundial, todos aparecem com os 42 pontos obtidos pela participação na Olimpíada e 30 ou 31 pontos de um torneio preparatório na Itália, quando ninguém foi ao pódio.

Apesar de o cenário ser absolutamente idêntico para todas as duplas, cada uma teve um tratamento dessa comissão formada por confederação (CBDA), COB e Ministério do Esporte. Jackson Rondinelli e Hugo Parisi (plataforma) receberão uma bolsa de R$ 11 mil. Giovana Pedroso e Ingrid Oliveira (plataforma), que não formam mais uma dupla (o desentendimento entre elas foi público e parece irreversível) ganharão R$ 8 mil. Ian Matos e Luiz Felipe Outerelo, Tammy Galera e Juliana Veloso, do trampolim, não foram contemplados. Juliana está aposentada. Os demais, na ativa.

O Ministério do Esporte argumenta que Jackson e Hugo merecem uma bolsa maior porque estão no oitavo lugar do ranking mundial, o que de fato acontece. Por serem Top 10 do mundo, ganham a bolsa de R$ 11 mil. Ingrid e Giovana, em 11.º lugar, no Top 15, ficam com R$ 8 mil. Já Ian e Luiz, no 13.º lugar, sequer foram selecionados. Segundo o Ministério, a comissão preferiu aguardar para ver os próximos resultados da dupla.

A comissão, porém, não levou em conta a competitividade das provas. Na plataforma masculina, há 12 duplas no ranking mundial (Hugo e Jackson ficaram em oitavo), contra 22 do trampolim (Ian e Luiz em 13.º). Já Ingrid e Giovana aparecem no 11.º lugar entre 16 duplas, apenas. Lembrando que todos têm praticamente a mesma pontuação no ranking, graças a resultados semelhantes. Não é o nível técnico que os difere.

O problema ainda vai além. Beneficiados com uma bolsa de R$ 11 mil por um ano, Hugo e Jackson não devem mais competir internacionalmente esse ano. Eles não obtiveram o índice para o Mundial. Já Ian e Luiz se classificaram para Budapeste, com Ian, na melhor fase da carreira, alcançando seu melhor resultado na prova individual.

CHANCE DE MEDALHA? – Criado para ajudar atletas com chances reais de medalha nos Jogos Olímpicos, o Bolsa Pódio segue fugindo completamente do seu intuito. Os saltos ornamentais são um exemplo disso. Pelos resultados atuais, nem os atletas sonham com a possibilidade se aproximar da briga pelo pódio em um evento de grande porte. No Rio, todos ficaram no último lugar muito longe do sétimo colocado.

O mesmo vale no nado sincronizado, onde Luisa Borges e Maria Eduarda Miccuci foram indicadas graças ao 13º lugar nos Jogos Olímpicos do Rio. A classificação é a mesma obtida pelo dueto brasileiro desde Pequim-2008, depois de dois 12º lugares em Atenas-2004 e Sydney-2000. Esse é tradicionalmente o lugar do Brasil e nada indicada que as coisas vão mudar.

No taekwondo a desconhecida Valéria Rodrigues entrou no Bolsa Pódio depois de bons resultados em eventos Open (de nível mais baixo no circuito). Ela nunca disputou uma Olimpíada ou Mundial e não está (ou esteve) na seleção brasileira. O Grupo de Trabalho alegou que "levou em consideração o fato de a categoria até 49kg ter tradição e perspectivas de resultados para 2020". Valéria, porém, disputou o ciclo olímpico na categoria até 46kg, que não é olímpica.

Enquanto isso, atletas com resultados expressivos ficam fora da bolsa. Em outro post de hoje, o Olhar Olímpico conta a situação de Paulo Roberto de Paula, 15.º colocado nos Jogos Olímpicos do Rio, que sequer foi indicado pela CBAt, supostamente por não estar entre os 20 melhores do ranking mundial da maratona. Para chegar tão longe, ele teria que entrar num grupo que tem 17 querianos e três etíopes – o primeiro não-africano é 41.º. O segundo, 61.º. Ou seja: não vai rolar. Quem perde, tanto quanto Paulo, é o esporte brasileiro.

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.