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Olhar Olímpico

Coágulo no cérebro e ladeira no escuro: desafios de ex-Fazenda para ir à Olimpíada

Demétrio Vecchioli

16/05/2017 04h00

 

Levanta a mão quem nunca viu que algum esporte pouco praticado no Brasil é olímpico e pensou: "Se eu treinasse um pouco, de repente eu conseguiria ir para a Olimpíada". Com Gui Pádua também foi assim. Só que o paraquedista, ex-participante do programa "A Fazenda", da TV Record, levou a ideia a sério. Comprou uma van, um trenó de skeleton e começou a descer ladeiras deitado de barriga para baixo num trenó a 120km por hora, correndo o risco de morrer. Tudo pelo sonho de disputar os Olímpicos de Inverno de Pyeongchang (Coreia do Sul), no ano que vem, com apenas 14 meses de treinos.

Gui Pádua fez carreira como paraquedista e foi campeão mundial de skysurfe vinte anos atrás. Aos poucos, foi se tornando celebridade: apresentou programa no SporTV, teve quadro no Esporte Espetacular,  foi integrante do  reality show A Fazenda, participou do Legendários (também da Record).

Todo esse currículo o permitiu ser convidado para carregar a tocha olímpica no bairro de Madureira, no Rio. E foi lá que aflorou a vontade de disputar uma Olimpíada. "Me deu emoção muito grande de ver os pais acompanhando, correndo do lado com os filhos, dando os filhos para tirar foto. Eu pratiquei esporte a vida inteira, em diversas modalidades, mas falei: 'Preciso participar de uma Olimpíada como atleta'."

A ideia de se arriscar no skeleton já havia aparecido quando ele estava no Legendários e a Record tinha os direitos da Olimpíada de Inverno de Sochi, em 2014. Engavetado desde então, o projeto foi retomado. "A posição que você voa em queda livre é muito parecida com o skeleton. Pensei: 'Vou descer como estivesse voando no gelo'." Só que não.

Sem tempo para esperar até janeiro, Gui conseguiu um professor para lhe dar um curso em novembro passado, na Alemanha. E logo a aula teórica virou prática, com trenó e capacete emprestados. "Na hora que eu saí da curva mais rápida, o capacete emprestado cobriu meu olho, eu não conseguia ver. Eu só via o chão. Imagina você numa pista a 120 quilômetros por hora, sem saber se a próxima curva é à direita ou à esquerda? É igual um boneco de pano agarrado no trenó", conta, rindo.

"Quando saí dessa curva, a curva me catapultou para cima. Voei de lado na barreira. Meti o chifre, véio. Com tudo mesmo. Só não larguei o negócio, véio, porque eu falei, mano, aqui é igual burro brabo. Cheguei no final com puta galo na cabeça, meio mole (risos). O técnico falou: vai de novo? Falei: 'Vou.' Se eu não fosse de novo ali, não ia continuar."

 

Foram 10 dias com extrema dor de cabeça, mas Gui conseguiu a carteirinha que o torna um atleta de skeleton e o permite participar de competições. Só depois do curso é que ele passou por exames e descobriu que aquele batida havia lhe dado um coágulo no cérebro. Mesmo assim, comprou uma van, tirou os bancos, colocou uma cama e um espaço para o trenó, e passou a viajar a Europa para treinar. Em janeiro, na primeira competição da carreira no skeleton, fraturou a mão.

"Não eu não estou acostumado com porrada. Isso que foi a parada mais difícil pra mim. Paraquedismo é um esporte que você aprende treinando muito, mas se você toma cuidado no pouso você não vai se arrebentar. Mesmo as ultramaratonas, é muito físico, mas não é algo que te machuca, te detona. No skeleton você tem o risco de se machucar gravemente todas as vezes", avalia.

Bom, mas o que leva alguém a correr risco grave de se machucar a 120 km/h? A diversão, provavelmente. Não? "Ainda não achei divertido. Não achei nenhuma descida divertida. É porrada toda vez, adrenalina, 'c… vou me matar' É um negócio sério pra caramba, que se eu não tomar cuidado eu morro. Você pode se matar, você está a 120km por hora, com o queixo raspando no chão. Não consegui ver diversão ainda", admite.

A resposta para tamanha loucura, e tamanho investimento (Gui está pagando tudo do bolso), está mesmo na busca por um recomeço, uma nova história. "Vou investir em que? Comprar whisky na balada? Não é minha pegada. Meu dinheiro vai para meu lifestyle, que é o que me faz feliz. Você recomeçar do zero, com risco de ir para a Olimpíada, não tem preço". Sem competir desde janeiro, ele volta ao circuito em outubro. A partir dali, tem até janeiro que vem para somar pontos no ranking mundial e ficar com uma das 29 vagas disponíveis.

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.