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Olhar Olímpico

Ana Cláudia rompe silêncio sobre acusação de doping: "levei muito tapa na cara"

Demétrio Vecchioli

25/04/2017 04h00

Recordista brasileira dos 100m e dos 200m, Ana Cláudia Lemos sabe que seu currículo estará para sempre manchado por uma suspensão por doping. Há um ano, ela ficou cinco meses afastada do atletismo depois de testar positivo para oxandrolona. Sem nenhuma ajuda para provar sua inocência, gastou mais de R$ 100 mil para comprovar que a substância proibida entrou em seu organismo por meio de dois suplementos alimentares contaminados. A farmácia, da qual ela era cliente há cinco anos, está sendo processada.

O Olhar Olímpico foi até o Núcleo de Alto Rendimento (NAR), na zona Sul de São Paulo, para conversar com Ana Cláudia. A velocista, que nunca havia falado publicamente sobre o assunto, contou que levou "muito tapa na cara" e disse que o doping gerou um prejuízo financeiro direto de mais de R$ 500 mil. Ela foi demitida pelo Clube de Atletismo BM&F e perdeu a Bolsa Pódio que ganhava do governo federal – R$ 11 mil mensais. Sem condições financeiras, teve que devolver o apartamento que havia financiado.

Ainda sem clube, Ana Cláudia segue apoiada pela Marinha e pela Nike, mas está tendo que recorrer às economias para pagar uma equipe multidisciplinar, que tem fisioterapeuta, massagista e psicólogo, entre outros profissionais. Recuperando-se fisicamente, ela só deverá estrear na temporada 2017 no mês que vem, mas não tem dúvidas que logo fará índice para o Mundial de Londres.

Olhar Olímpico – Você foi suspensa por testar positivo para oxandrolona. De fato você consumiu essa substância?

Foi uma contaminação. Eu não faria isso porque não é justo comigo, com minhas adversárias com meus patrocinadores e com o esporte. Eles aplicaram uma pena e eu paguei por um erro. O código mundial antidoping diz que tudo que entra no seu organismo você leva uma pena. Eu tive que cumprir.

Como se deu essa contaminação?

Não foi uma contaminação, foram duas. Tinha baixa concentração de oxandrolona em não um, mas em dois suplementos. Para provar minha inocência, tive que pagar eu mesma os laudos. E não foi barato não. Cada laudo desse é um carrinho popular. Ninguém sabe, mas a IAAF também pediu os suplementos para analisar e comprovou a contaminação.

Você foi defendida pelo advogado Marcelo Franklin, o mesmo que defendeu o Cesar Cielo, por exemplo. No caso dele, também foi comprovada a contaminação, mas a CBDA pagou pela defesa. Você teve ajuda de alguém?

Eu não tive ajuda de ninguém. Todas as notas foram do meu bolso. Foi bem caro, mas eu não devo para ninguém, nem para o clube, nem para o COB, nem para a CBAt. Eles não me ajudaram em nada. Não acho que deveriam me ajudar. Respondi pelo meu erro, mesmo que não tenha cometido. O clube não tinha muito o que fazer, a acusada era eu.

Logo depois que saiu sua suspensão de cinco meses, a BM&F encerrou seu contrato, que ia até o final do ano. Eles alegaram que você descumpriu um termo do contrato, que determinava que você deveria comunicar o clube de tudo que consumisse. Você se sentiu traída pelo clube?

Foi uma decisão deles. Não posso reclamar do clube, fiquei seis anos e meio lá. Construí minha carreira, minha vida. Tenho uma casa graças ao que eu construí lá dentro. Se em outro momento eu puder retornar, meu coração está aberto. Meu coração não tem rancor. Sinceramente sou muito grata pela história que construí dentro do clube.

De forma geral, você se sentiu sozinha nesse episódio todo?

Foi muito doloroso, perdi apoio, levei muito tapa na cara, mas tudo serve para a gente crescer, mesmo que seja da pior maneira. Sabe o que mais dói? São as pessoas que estão próximas de você. Você não espera tomar tapa dos seus colegas. O amigo conhece você, sabe suas fragilidades. Eu vinha para o treino chorando, eu queria um apoio e não tinha de algumas pessoas que estavam sempre ao meu redor. Olhava meu telefone e pensava: para quem vou ligar? Não dava. Às vezes eu desabafa com alguém e as pessoas ficavam comentando.

Caio Guatelli/Nike

Você acha que esse episódio vai marcar sua carreira para sempre?

Aconteceu na minha carreira um episódio de doping e vou responder o resto da minha vida por isso. Todas as vezes que alguém quiser conversar sobre isso, vou responder. Quem quiser fazer que sou dopada, estou nem aí. Sei da minha consciência.

Você se machucou treinando durante a Olimpíada e não chegou a correr. Até agora, aliás, não correu em 2017. Por isso, não foi ao Mundial de Revezamentos. O que a gente pode esperar de você?

Sei que já vou fazer o índice para (o Mundial de) Londres no próximo mês. Não estou preocupada com isso. Quero melhorar meu resultado, que é 11s01, que seria bater o recorde sul-americano. Vamos priorizar os 100m. Se tivesse competido no início do mês, poderia ter tido uma lesão. Tive que respeitar as etapas do treino.

Por que essa decisão de priorizar os 100m? Você acha que faltou foco nas últimas temporadas? Você queria final nos 200m, recorde sul-americano nos 100m, medalha no revezamento…

Nas outras temporadas eu vinha treinando bem, sempre pra correr abaixo dos 11s, mas sempre teve lesão, ou alguma coisa de logística, ter que correr o revezamento. Sou obcecada demais por metas, resultados. Nunca estou contente só com ganhar. Sempre tinha muitas coisas para fazer. Agora, com 28 anos, mais madura, comecei a pensar: vamos começar pelos 100m e depois ver o que a gente faz.

No início do mês, o revezamento 4x100m de 2008 recebeu o bronze olímpico, depois do doping da Rússia. Você também estava naquela equipe, mas não ganhou o ouro, porque não correu, era reserva. Fica um sentimento de vazio?

Eu tinha 19 anos, foi minha primeira competição. Eu não tinha bagagem de competição grande. Aprendi com aquele revezamento. Aprendi a receber e passar com elas. Eu ainda tenho Tóquio, ainda posso conseguir uma medalha.

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.